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PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE CONTRATOS RELACIONAIS - PARTE 03

PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE CONTRATOS RELACIONAIS 03

Segue a série de respostas dadas às perguntas formuladas pelo colega Glenn Meier[1]:

PERGUNTA: Um objetivo comum para clientes que pedem contratos a advogados é “proteção”. Que tipo de proteção os contratos relacionais fornecem?

A construção de um contrato relacional baseado em valores e princípios comuns já gera um sentimento de proteção, pois as próprias partes identificam suas necessidades e estabelecem condições mais equilibradas gerando, naturalmente, um sentimento de segurança. Tenho um exemplo de manifestação de cliente que expressou isso no feedback dado ao final de um trabalho. Perguntei a ele como havia sido participar da construção de um contrato de forma não convencional e a sua resposta foi a seguinte:

"Dois passos:

Primeiro, pelo fato de pensar e ter responsabilidade direta pelo conteúdo a ser escrito e discutido amplamente com a outra parte da relação. Isso exigiu tempo, dedicação e uma compreensão mais profunda do significado do contrato colaborativo.

Segundo, posso dizer que houve uma lapidação do eu interior, pensando em proteção com reciprocidade. Nesta segunda etapa, foi possível identificar claramente meus valores e aplicá-los ao documento que servirá de guia para o propósito de constituição da empresa”.

São várias as reflexões que podem ser extraídas da resposta que, a propósito, expressa sentimentos reais de quem passou pela experiência de construir sua própria relação e seu próprio contrato. Mas poderia destacar, para efeitos de atender à questão formulada, que ao assumir a responsabilidade direta pelo conteúdo e conseguir identificar seus valores inseridos de forma escrita no contrato, a própria parte conseguiu identificar proteção e, mais ainda, de maneira recíproca e, portanto, equilibrada.


PERGUNTA. A maioria dos contratos acaba ficando preso em uma gaveta até surgirem grandes problemas. Isso é verdade para contratos relacionais e por quê?

Costumo deixar claro às partes que a relação e o contrato devem ser construídos por elas próprias. Isso gera uma sensação de proteção, clareza, facilidade de compreensão, empoderamento. Nomino a fase de construção das cláusulas escritas de “ritual”, visto que é o momento em que o contrato se transforma em símbolo efetivo da relação. Para isso as partes trabalham em mais de uma sessão, dependendo sempre da pressa ou urgência, pois é durante o “ritual” que as partes inserem suas próprias expressões, seu entendimento e seus desejos, para isso, muitas vezes, usando suas próprias expressões, o que significa uma linguagem mais coloquial e simplificada. Isso gera a sensação de que o contrato realmente pertence a eles, é parte viva da relação. Gosto muito de dar exemplos para deixar claro. Ajudei a conceber um contrato onde as partes fixaram um sistema de prevenção de conflitos que estabelecia o seguinte:

- durante a construção do contrato, que visava reorganizar a empresa e, principalmente, a relação entre os sócios, ambos perceberam, a partir de uma provocação que fiz, que haviam deixado de ir a um café próximo ao escritório e que durante um tempo era o local onde ambos costumavam, além do café, comer um doce que ambos gostam muito, que é uma sobremesa portuguesa chamada "pastel de nata". Nesses momentos eles relaxavam juntos e conseguiam falar mais abertamente sobre coisas que eram importantes para ambos, do ponto de vista do relacionamento, suas intimidades, necessidades e expectativas, tanto pessoais, quanto relacionadas à empresa. Mas após 15 anos de parceria eles perceberam que haviam deixado de ter esses momentos entre eles. Durante a construção do sistema de prevenção de conflitos, estabelecemos uma ordem de preferência em caso de algum problema ou conflito, tendo as partes desejado que o primeiro passo fosse identificado como Cláusula "pastel de nata" - que prevê, em síntese, que qualquer situação que ocorra entre os sócios e que potencialmente possa passar de um problema, ou dúvida, a um conflito, a cláusula "pastel de nata" é acionada provocando um café em meio à doçura da sobremesa.

Seis meses após a finalização do contrato, solicitei a ambos novos feedbacks e perguntei se haviam acionado a cláusula pastel de nata durante os meses de vigência do contrato, como segue:

Você já colocou em prática a cláusula do “pastel de nata”? Em caso afirmativo, funcionou positivamente ou negativamente para o relacionamento?

A resposta do cliente foi:

“O pastel de nata faz parte da nossa vida... Não só porque é gostoso, mas porque gera um sentimento de divisão em termos de planejamento e decisões a serem tomadas.”

Isso significa, respondendo à pergunta formulada por Glenn Meier, que esse contrato não fica preso na gaveta, justamente porque está intimamente ligado à vontade das partes, está sendo vivido por ambas, reflete suas expectativas e interesses, mas também permite flexibilidade para mudanças.

E, honestamente, é muito melhor, em minha opinião, abordar meu parceiro de negócios e dizer:

- Que tal comermos um pastel de nata? Ao invés de chegar ao ponto de “precisamos discutir um problema".

Do ponto de vista psicológico, é mais doce, suave e menos conflitante, pois já traz a ideia e o espírito de resolução em seu contexto. E está vivo e presente entre as partes. Definitivamente, é impossível deixar um pastel de nata preso em uma gaveta, os efeitos podem ser muito negativos.

Porto Alegre, 10 de setembro de 2022.



Ana Luiza Panyagua Etchalus

[1]https://www.linkedin.com/in/glennmeier?lipi=urn%3Ali%3Apage%3Ad_flagship3_profile_view_base_contact_details%3Bz56ZcE6FSZyCtrBag2Uv3Q%3D%3D




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