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DIREITO COLABORATIVO MUNDO AFORA

  • Foto do escritor: Ana Luiza  Panyagua Etchalus
    Ana Luiza Panyagua Etchalus
  • 18 de mar.
  • 7 min de leitura

  







Consagrado nos Estados Unidos, país de sua origem, através da Lei Uniforme de Direito Colaborativo, o direito colaborativo avança para mais de 24 estados confederados que, desde a promulgação da lei em 2009, passaram a adotar em suas respectivas legislações estaduais este meio de resolução de conflitos. No Direito Colaborativo, as partes e seus respectivos advogados, trabalham colaborativamente, de maneira voluntária e confidencial, em busca de solução equilibrada e consensual, valendo-se de determinados princípios estruturados conjuntamente.

Trata-se, o Direito Colaborativo, de uma metodologia de natureza privada e contratual, através da qual, as partes, devidamente assistidas por seus advogados, contratam um processo privado e estruturado de colaboração, cujo objetivo final é alcançar um acordo.

Este processo privado de colaboração envolve os princípios da confidencialidade, voluntariedade, equidade, boa-fé e abertura das informações necessárias para a tomada de decisão das partes (a decisão informada), além da retirada e impedimento dos profissionais que nele atuarem, de atenderem aos mesmos clientes, caso o processo colaborativo tenha resultado negativo, ou seja, não seja alcançado o acordo.

A cultura da colaboração, tão necessária nos dias atuais, especialmente para resolução mais célere de situações complexas, avança globalmente, fazendo com que este meio de resolução de conflitos suplante os conceitos norte-americanos e se adapte às diversas culturas de vários países.

O México inaugura no cenário latino-americano o reconhecimento legal do processo colaborativo como meio alternativo à disputa judicial, para alcançar a resolução de um conflito.

A Lei Geral de Mecanismos Alternativos de Solução de Controvérsias mexicana, promulgada em 26 de janeiro de 2024[1], incluiu expressamente no seu artigos 4º a negociação colaborativa como meio alternativo ao processo judicial tradicional para alcançar a resolução de conflitos. Ainda, no seu Art. 5º, a lei chancela, também de maneira expressa, a figura advogado colaborativo, como aquele profissional treinado e habilitado para aplicar a metodologia.

A evolução do Direito Colaborativo não para por aí. A Espanha, referência importante para a América Latina, em sua recentíssima Lei Orgânica n.01, de janeiro de 2025, que define Matérias de Eficiência dos serviços de justiça, também faz incluir no direito positivo espanhol, expressamente, o Direito Colaborativo, como um dos meios adequados de solução de controvérsias, atividade em que as partes de boa-fé encontram uma solução extrajudicial ao conflito, seja por elas mesmas, ou com intervenção de pessoa neutra. 

Assim expõe o legislador espanhol em sua exposição de motivos, aqui traduzida livremente para o português[2]:

“Da mesma forma, métodos internacionalmente reconhecidos como o direito colaborativo são suficientemente comprovados, facilitando negociações estruturadas entre as partes auxiliadas por seus respectivos advogados e permitindo, de forma natural e orgânica, a integração de especialistas terceiros neutros na equipe, se considerado apropriado. Os princípios fundamentais do processo colaborativo são: a boa-fé, a negociação de interesses, a transparência, a confidencialidade, o trabalho em equipe – entre as partes, seus advogados e terceiros especialistas neutros que podem, quando for o caso, participar – e a renúncia à ação judicial pelos profissionais do direito que tenham intervindo no processo, caso não seja alcançada uma solução total ou parcial da controvérsia.”

A Bélgica, de sua vez, já consagra o Direito Colaborativo no seu Code Judiciaire, nos seus Arts. 1738 a 1747, o equivalente ao nosso Código de Processo Civil, estabelecendo, não somente a possibilidade de aplicação deste meio de resolução de conflitos, mas definindo quem está legalmente habilitado a aplicá-lo. Vale reproduzir, também em tradução livre:

 

Arte. 1738. Quando as partes forem assistidas por advogado colaborador a que se refere o artigo 1739.º do Código Judiciário, os litígios previstos no artigo 1724 do mesmo Código poderão ser objeto de processo de direito colaborativo, isto é, um processo voluntário e confidencial de resolução de litígios através de negociação envolvendo partes em conflito e seus respectivos advogados, que atuam no âmbito de um mandato exclusivo e limitado assistência e aconselhamento com vista a chegar a um acordo amigável.

Arte. 1739.

 § 1º. Somente advogados colaborativos podem exercer a advocacia colaborativa.

§ 2º O advogado colaborativo é o advogado inscrito na lista de advogados colaboradores instituída pela Ordem dos Advogados. Ordens de língua francesa e alemã ou Ordem dos Flamengos. Somente advogados que tenham recebido treinamento especial, que tenham recebido a necessária aprovação de advogado colaborativo e que sejam subscritores do regulamento dos advogados colaborativos, poderão figurar nesta lista.

A Ordem dos Advogados de Língua Francesa e Alemã e a Ordem dos Advogados Flamengos estabelecem uma comissão mista que determina as condições relativas à formação específica, formação permanente, à necessária aprovação, às garantias em matéria de negociação do direito colaborativo e à regulamentação que aplica-se a advogados colaborativos.

Já se tem notícia também que a Itália prepara projeto semelhante, ou seja, reconhecendo a eficácia do Direito Colaborativo e ratificando o papel do advogado treinado e credenciado para o trabalho com a metodologia.

Como se vê, o Direito Colaborativo, no plano internacional, se constitui em uma ferramenta que prioriza a qualificação e participação do advogado, dando ao mesmo a responsabilidade de conduzir adequadamente a negociação estruturada que, eventualmente, poderá fazer incluir, se assim desejarem as partes e se a natureza do conflito permitir, a participação de outros profissionais.

No Brasil, em que pese a ideia do processo colaborativo tenha sido trazida ao cenário jurídico ainda no ano de 2014, através do excelente e inovador trabalho do Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas[3], sua difusão se fez de maneira atrelada à participação quase que impositiva de outros profissionais, tais como psicólogos, experts financeiros, entre outros que, além dos advogados, trabalhariam como equipe.

Deve-se fazer um parêntese de que o conceito trazido pelo IBPC estava, na sua base, atrelado às questões do Direito de Família que, em situações complexas, demandam a participação integrada de profissionais de expertises distintas.

No entanto, a forma como as Práticas Colaborativas foram sendo divulgadas ao longo de mais de uma década, trouxe a ideia equivocada de que aqueles profissionais do direito que desejassem incorporar a prática no seu dia a dia, oferecendo este meio de solução de controvérsia a seus clientes, além de estarem limitados às questões de família, devessem encampar profissionais de outras expertises, formando uma equipe, o que acabou gerando bastante resistência e dificuldade de aceitação disseminada no meio jurídico. Fato que persiste até hoje.

Ainda que o conceito tenha começado a expandir-se para outras áreas do direito, infelizmente, foi levado ao Projeto Lei n. 890/2022, em tramitação no Congresso Nacional com um viés que, além de desnaturar o Direito Colaborativo em sua nomenclatura, cria um conceito híbrido e confuso, diferenciando-o do conceito original e dos propósitos para os quais o mesmo foi criado. Veja-se, por exemplo, o Art. 1:

PROJETO DE LEI N 890, DE 2022

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre as Práticas Colaborativas como um método de solução de controvérsias.

Parg. 1º. - Considera-se Práticas Colaborativas o procedimento estruturado e voluntário, com enfoque não adversarial e interdisciplinar de gestão e prevenção de conflitos, no qual as partes e os profissionais formalizam um Termo de Participação se comprometendo a negociar com boa-fé e transparência, levando em consideração os interesses de todos, sem recorrer a um órgão jurisdicional ou administrativo que imponha uma decisão.

O projeto segue, na sua estrutura, sempre relativizando a presença do advogado na sua estruturação e desenvolvimento e, novamente, enfatiza a chamada interdisciplinaridade, tal qual trazida pelo mencionado instituto e, ainda assim,  mesmo que este tipo de colaboração não seja necessária e imperiosa para que partes ( assistidas por seus respectivos advogados ) alcancem um resultado positivo, que é o acordo.

É de se apontar, ainda, que um dos princípios elementares e comuns à maioria dos chamados Meios Alternativos de Resolução de Conflitos, além da celeridade, é uma menor onerosidade.

Pois bem, projeto que tramita no congresso, fez uma mutação do Direito Colaborativo, transformando-o em Práticas Colaborativas Interdisciplinares, retirando o seu potencial alcance da grande maioria dos cidadãos brasileiros. Afinal, é sabido que a grande maioria da população deste país não possui condições nem mesmo de custear os honorários de seu advogado. Logo, arcar com o custo de honorários de outros profissionais encarece o processo ( mesmo que em muitos casos seja necessária), elitizando o acesso. Caso a intenção legislativa tivesse seguido o padrão original, muitos benefícios seriam proporcionados aos cidadãos, a exemplo do que já está sendo reconhecido pela legislação de diversos países.

Além disso, comparando-se o projeto de lei brasileiro com as regras internacionais antes mencionadas, já potencializamos um risco de confundir-se o instituto do direito colaborativo tal qual vem sendo consagrado internacionalmente, com a própria mediação, em si também considerada uma prática colaborativa facilitada por um terceiro neutro e que também, se for o caso, pode admitir a participação de profissionais de outras disciplinas.

Além disso, ao admitir a participação de partes e profissionais indiscriminados, o Projeto enfraquece a estruturação jurídica necessária para gerar segurança às partes.

Infelizmente, em que pese a boa intenção, se aprovado o Projeto 890/2022, o Brasil, mesmo tendo sido pioneiro na identificação da metodologia na América Latina, corre o risco de perder uma grande oportunidade de avanço, ressalvando e respeitando entendimentos contrários.

Mas como não gosto de fechar minhas reflexões com expectativas ou afirmações negativas, posso afirmar que todos aqueles advogados que estiverem devidamente treinados e, portanto, capacitados para a aplicação do Direito Colaborativo, poderão fazê-lo, atendidos os seus princípios básicos formais e, sobretudo, éticos, uma vez tratar-se de uma metodologia de natureza privada e contratual.

E para isso, caros advogados e cidadãos, não precisamos necessariamente da lei, visto que, conforme já afirmado, o Direito Colaborativo é uma metodologia privada de natureza contratual que pode, sim, otimizar tempo e custos na busca de uma solução equilibrada e consensual para um conflito.

Quer saber mais sobre Direito Colaborativo? Fique atento sobre as informações do próximo encontro anual da Global Collaborative Law Council que ocorrerá nos dias 30 e 31 de outubro em Nova York, em sistema híbrido.

Aproveito para agradecer às colegas advogadas colaborativas, Nádia Mesa del Castillo(ES) e Adriana de Léon Carmona(MEX), pela colaboração na obtenção de material.

 

Ana Luiza Panyagua Etchalus[4]

 

Março 2025.

 


[4] A autora é advogada colaborativa treinada pela North Carolina Bar Association(EUA) e pela Global Collaborative Law Council(EUA), sendo atualmente integrante da Diretoria para atender Assuntos Internacionais, bem como é Treinadora/Capacitadora em Direito Colaborativo pela mesma instituição.

 
 
 

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