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  • Foto do escritorAna Luiza Panyagua Etchalus

O CEO NOSSO DE CADA DIA E O MINDFULNESS


 

Sempre fui muito ativa e criativa mentalmente e com uma velocidade de processamento bastante acelerada. Deste modo, para equilibrar as minhas variáveis de intensidade, além da prática corriqueira de exercícios físicos, como decorrência de práticas de yoga ao longo dos anos, certas técnicas de respiração e dinâmicas corporais também foram incorporadas em minha jornada diária, não somente no início, mas durante o seu desenvolvimento e, naturalmente, ao seu final.

Mas somente em tempo recente introduzi pequenas dinâmicas de mindfulness no meu trabalho, quiçá como decorrência de maior consciência e alguma incursão no universo da neurociência e da psicologia positiva e da novíssima área nominada de Neurolaw.

Sou oriunda de uma vida profissional ligada à advocacia tradicional, de “contencioso na veia”, ou “contencioso raiz”, utilizando expressões mais atuais. Portanto, algumas dinâmicas inseridas nesse ambiente, até bem pouco tempo, sequer passavam por minha cabeça, por mais criativa que me considerasse.

Mas trabalhar com prevenção e resolução de conflitos em busca de soluções e resoluções consensuais e sustentáveis e, muito especialmente, trabalhar com contratos relacionais, aplicando metodologias relacionais na sua construção, passou a exigir outro tipo de atenção, outro tipo de ferramenta, vários tipos de outras ferramentas, para ser mais precisa.

Isso resultou na necessidade de incorporar alguns exercícios e práticas indo além de minha própria necessidade de consciência, mas indo ao trabalho diário realizado com os clientes, ajudando-os a alcançar maior consciência sobre suas respectivas tomadas de decisão.

Entretanto, foi imperioso buscar alguns conceitos que para mim, até bem pouco tempo, vinham sendo trabalhados apenas intuitivamente. Por exemplo, o estudo da neurociência me fez tentar entender minimamente sobre os debatidos conceitos de Funções Executivas do Cérebro que segundo DIAS[1], podem ser conceituadas como “um conjunto de processos mentais que, de forma integrada, permitem que o indivíduo direcione comportamentos a metas, avalie a eficiência e a adequação desses comportamentos, abandone estratégias ineficazes em prol de outras mais eficientes e, assim, resolva problemas imediatos, de médio e de longo prazos”.

Ainda, para SOUZA, MOLL, IGNÁCIO & MOLL[2], as funções executivas poderiam ser compreendidas como “o conjunto de operações mentais que organizam e direcionam os diversos domínios cognitivos categoriais para que funcionem de maneira biologicamente adaptativa. Para que a utilização dos recursos físicos e sociais seja econômica e eficaz, não basta que os domínios cognitivos categoriais estejam intactos como módulos independentes: é essencial que, além disso, sejam integrados aos propósitos de curto, médio e longo prazos do indivíduo.

Em recente trabalho tratando da construção das melhores decisões em ambiente de conflito, PRADO[3] nos traz informações sobre as múltiplas inteligências, a desautomatização das reações, bem como sobre autoconsciência, autocontrole, empatia e habilidades sociais, condições que estão intimamente ligadas às mencionadas Funções Executivas do Cérebro. E dentro das chamadas FE estariam inseridos vários processos cognitivos independentes e absolutamente relevantes para o que se pode chamar de consciência, tais como comportamentos direcionados a metas, ações e pensamentos, autorregulação do comportamento, solução de problemas, atualização de informações e memória operacional, controle inibitório ou inibição de respostas reativas.

SOUZA, MOLL, IGNÁCIO & MOLL[4] afirmam ainda que “o domínio executivo compreende um elenco de operações cognitivas do qual fazem parte a flexibilidade e o planejamento cognitivos, e a capacidade de autorregulação dos processos mentais e comportamentais. A organização cerebral das funções executivas e os sintomas que refletem seu comprometimento em casos de lesões cerebrais estratégicas constituem um dos tópicos mais intricados da neurobiologia humana. Seu estudo, não obstante, é essencial para a compreensão dos mecanismos que presidem as formas mais complexas do comportamento humano, que se manifestam, caracteristicamente, no universo social, regidas pela qualidade e pela adequação das relações interpessoais.

Mas qual a relação que as ditas Funções Executivas do cérebro guardam, por exemplo, com as reuniões que organizo com meus clientes em ambiente de prevenção e/ou resolução de conflitos, mais especificamente no trabalho com os contratos relacionais, direito colaborativo e mediação?

Pois bem, além da gestão do conflito em si, necessariamente devo trabalhar o nível de consciência e clareza dos envolvidos, de modo a facilitar a sua tomada de decisões, começando por mim mesma.

Em última análise, devo dar atenção às minhas emoções e aos sentimentos e emoções de todos aqueles envolvidos na resolução ou mesmo, no caso da construção relacional, na projeção futura de um eventual conflito.

WORKART & FERREIRA[5] afirmam que tão importante quanto a observância formal das normas jurídicas é “a percepção das dinâmicas emocional e cognitiva” que estão envolvidas no ambiente de conflito, sejam judiciais, sejam extrajudiciais. Em outras palavras, a compreensão mínima do comportamento humano é imprescindível para que se alcance êxito na resolução pacífica de conflitos.

Quanto maior o nível de consciência, tanto maior a probabilidade de eficácia de uma tomada de decisão.

Mas o que é ser consciente, afinal?  - questiono sem adentrar em considerações demasiado filosóficas

Segundo Germer[6] “ser consciente(mindful) é despertar, reconhecer o que está acontecendo no momento presente com uma atitude amistosa. Infelizmente, é raro estarmos com atenção plena. Em geral, somos pegos em pensamentos desviantes ou em opiniões sobre o que está acontecendo no momento. Isso é falta de atenção. Exemplos de falta de atenção incluem os seguintes (adaptado da Minful Attyention Awareness Scale(Escala de Atenção e Consciêwncia Plenas)(Brown & Ryan, 2003)):

- Passar pelas atividades correndo sem prestar atenção a elas;

- Quebrar ou derramar coisas devido a descuido, desatenção ou por estar pensando em outra coisa;

- Não perceber sentimentos sutis de tensão física ou desconforto;

- Esquecer o nome de uma pessoa quase no mesmo instante em que o ouvimos;

- Encontrar-se preocupado com o futuro ou o passado;

- Comer sem ter consciência de estar comendo

E ser consciente na chamada “sociedade do cansaço”, na qual vivemos um “excesso de estímulos, informações e impulsos, fragmentando a atenção[7]¸ em definitivo, não é tarefa fácil.

Deve-se dizer mais: a despeito das inúmeras habilidades da chamada geração “multitasking”, ainda assim estudos e revisões apontam que “realizar mais de uma tarefa ao mesmo tempo envolve um processo cognitivo complexo que “normalmente resulta em pelo menos uma das tarefas ser desempenhada mais pobremente que quando é desempenhada isoladamente” (JUST BUCHWEITZ, 2014, p.1, tradução nossa)”.[8]

Pois quando entramos no ambiente de prevenção e, mais ainda, na resolução de conflitos cuja perspectiva envolve tomada de decisões que produzam efeitos jurídicos, a condição basal de ansiedade é ampliada, no mais das vezes em seus efeitos mais deletérios, afetando a clareza do nosso conjunto executivo e perturbando a tomada de decisões de nosso CEO cerebral. Daí porque se fazem mais necessários o foco, a atenção e, pois, consciência e, com efeito, o tempo definido e delimitado para atender, preferencialmente, uma única tarefa, ampliando suas probabilidades de eficácia.

O mindfulness, cujo significado pode ser entendido como a atenção plena (ou a busca de), “focaliza nossa atenção na tarefa do momento. Quando estamos conscientes, nossa atenção não está enredada no passado ou no futuro, e não estamos rejeitando ou nos agarrando ao que está ocorrendo no momento. Estamos presentes de uma maneira incondicional. Este tipo de atenção gera, energia, clareza mental e alegria. Felizmente, ela é uma habilidade que pode ser cultivada por qualquer pessoa”[9].

Ainda segundo GERMER, o mindfulness pode ser aprendido por treinamento formal ou informal. Pode-se entender por formal a prática recorrente da meditação incorporada diariamente, ou em períodos livremente estabelecidos, e que provoca vivências de mindfulness mais profundas.

Já a dita prática informal poderia ser entendida como a aplicação do mindfulness na vida diária, dando atenção à respiração, escutando ativamente, percebendo as próprias emoções ou sensações corporais.

Neste espaço da mencionada informalidade venho aplicando algumas práticas simples mas que, reconhecidamente, têm proporcionado maior foco e atenção no espaço onde atuo profissionalmente.

A prática do mindfulness, por exemplo, gera benefícios tais como “diminuição do estresse e da ansiedade aumento da autorrealização, criatividade verbal e desempenho..., além de ganhos de atenção seletiva e na regulação do comportamento( Rahal, 2018)[10]

No entanto, entra nesse conjunto a gestão do tempo: nossa capacidade de foco também ficou comprometida nos novos tempos. Como as informações surgem aos borbotões, nossa capacidade de apreensão e direcionamento de nosso comportamento também têm sido afetados no sentido temporal.

Sendo a assim, antes de dar início a qualquer trabalho, proponho aos clientes a sistematização do processo, a informação de suas etapas, a delimitação do tempo de duração, a construção de objetivos realistas (o menos é mais), gerando nos sujeitos em processo conflitivo a calma e a segurança necessárias para o exercício de tentativa de resolução que se pretende atingir.

Mal comparando, se no processo judicial necessitamos da segurança gerada pelos caminhos procedimentais de ordem pública, aqueles que dão a nós, advogados, – e aos cidadãos – a necessária confiança e segurança para alcançar a resolução de um conflito judicial, no ambiente da autonomia da vontade necessitamos igualmente de um sistema.

Não à toa que a mediação e o direito colaborativo, apenas exemplificando, estão inseridos nas chamadas negociações estruturadas. Conquanto internamente estejamos tratando de um ambiente mais informal e flexível do que aquele ambiente dos tribunais, é a estruturação e o passo a passo, a liturgia e o ritual que vão gerar, não somente a credibilidade das negociações enquanto processos, mas a necessária segurança buscada pelo cidadão.

Portanto, a preparação do cliente para a realização da reunião, antes de ser apenas e tão somente parte de um sistema de organização profissional, ou um estilo de trabalho,  se constitui em forma de drenar a ansiedade, municiar e preparar o CEO da empresa cerebral para a tomada de decisões.

Agendas informadas antecipadamente, espaço de mindfulness ao início, em intervalos e ao final dos trabalhos, pautas e delimitações de tempo, se constituem, minimamente, em excelentes estimuladores à confiança,  à criatividade e à geração de potencialidades mais claras de soluções.

Ainda no campo da neurociência, e graças ao conhecimento a respeito da plasticidade cerebral, descobrimos que a estimulação adequada pode estimular novos processos de aprendizagem. A plasticidade cerebral refere-se à capacidade de nosso cérebro de adaptar-se de maneira estrutural e funcional em resposta a eventos internos e externos. Logo, nosso CEO cerebral pode e deve receber treinamentos, não somente para aprimorar suas habilidades já reconhecidas, mas também para aparelhar-se para novos processos cognitivos.

Quer tentar?

Que tal começar respirando profundamente...?

 

Ana Luiza Panyagua Etchalus

Março de 2024

 


[1] DIAS, Natália Martins, Funções Executivas: modelos e aplicações/Leandro Fernandes Malloy-Diniz e Natália Martins Dias, São Paulo: Pearson Clinical Brasil, 2020, p.31

[2] SOUZA, Ricardo de Oliveira; MOLL, Jorge; IGNÁCIO, Fátima Azevedo & MOLL, Fernanda Tovar,  Cognição e Funções Executriva – Neurociência da Mente e do Comportamento, Robert Lent, coordenador; Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018, p. 289

[3] PRADO, Flavio Faibischew, Mediação, inteligência emocional e neurociência – Como construímos melhores decisões equilibrando razão e emoção, CLAEditora, São Paulo, 20203

[4] Ob cit p. 288

[5] Wolkart, Erik Navarro; Ferreira, Matheus Milan. Neurolaw: Direito, Neurociência e Sistema de Justiça (Portuguese Edition) (pp. 86-87). Edição do Kindle.

[6]GERMER, Christopher K. – Mindulfness O que é? Qual a sua importância? – Minfulness e Psicoterapia/ Vhristopher K. Germer, Ronald D Siegel, Paul R. Fulton; 2ª. Edição, Porto Alegre: Artmed, 2026, p.39

[7] Han, Byung-Chul. Sociedade do cansaço (resumo) (Portuguese Edition) (p. 8). Editora Vozes. Edição do Kindle.

[8] Bailer, Cyntia/Tomitch, Lêda Maria Braga – Estudos Comportamentais e de Neuroimagem sobre Multitarefa: Uma Revisão de Literatura, HpxbHNnkQfzLy7myp7gcBLm (www.scielo.br)

 [9] Christopher H. Germer, ob. Cit. P. 39

[10] DIAS, Natália Martins, MALLOY-DINIZ, Leandro Fernandes, Funções Executivas-Modelos e Aplicações, São Paulo: Pearson Clinical Brasil, 2020, p. 381



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