MARCO LEGAL DAS STARTUPS – COMO TRATAR E CONTRATAR COM SEU ANJO – PARTE I
Chega ao cenário jurídico nacional a tão esperada regulamentação relativa às StartUps, mais especificamente a Lei Complementar n. 182, editada no último dia 01 de junho do corrente. Em que pese o interregno de 90(noventa) dias até que entre em vigor, a nova lei já agita o ambiente empreendedor, tanto nas relações privadas, quanto públicas, trazendo várias alterações jurídicas importantes.
Mas como toda a lei nova, sua implantação deve ainda depender de uma série de regulamentações, especialmente no que diz respeito à flexibilização regulatória. No entanto, em razão de ser tema que trata da necessidade de expansão da economia brasileira e seu emparelhamento com a economia global, a partir de hoje farei alguns comentários à nova norma, dando especial ênfase aos aspectos relacionados ao tema contratual, meu principal objeto de trabalho.
Hoje falarei sobre o Investidor-anjo.
O Investidor Anjo é tudo o que uma StartUp necessita e almeja para impulsionar seu negócio.,
Um investidor anjo é uma pessoa que investe em um novo ou pequeno empreendimento, fornecendo capital para o início de suas atividades ou expansão. Os investidores anjos são tipicamente pessoas físicas que dispõem de caixa/liquidez disponível e buscam uma taxa de retorno mais alta do que aquela proporcionada por investimentos mais tradicionais.
O investimento anjo é uma forma de financiamento de capital - o investidor fornece financiamento em troca de assumir uma posição de capital na empresa. O financiamento de capital é usado normalmente por empresas não estabelecidas, que não têm fluxo de caixa, ou garantia suficiente para garantir empréstimos convencionais comerciais de instituições financeiras.
Existe uma certa diversidade de Investidores-Anjo:
Família e amigos: costuma ser a fonte mais comum de financiamento para empresas que estão interessadas em encontrar dinheiro para iniciar suas operações.
Considerando o alto risco de fracasso dos novos negócios, é também muito comum que o impacto de um negócio eventualmente mal sucedido incida nos relacionamentos – sejam familiares, sejam sociais.
Indivíduos com reserva de capital (avulsos, ou agrupados) : outra boa fonte de potenciais investidores anjos são empresários bem-sucedidos, ou profissionais liberais bem sucedidos, que tenham um alto patrimônio líquido e estejam dispostos a investir. Com frequência isso é feito boca a boca, por meio de parceiros comerciais ou associações, como a Câmara de Comércio local, ou captadores de investimentos.
Grupos de Investidores (sindicatos, fundos, clubes de investimento): os anjos estão cada vez mais operando como parte de um Fundo de Anjos, o que aumenta seu nível de investimento potencial. Os investidores contribuem com fundos em um “bolo comum” e uma equipe de gestão profissional escolhe os investimentos.
Crowfunding[1] : é um financiamento coletivo, uma forma de grupo de investimento online que envolve a captação de recursos por meio de uma maior quantidade de pessoas que investem quantias pequenas.
É o Art. 2º da nova lei que define este conceito de Investidor-Anjo e que o mercado já pratica, desta feita, porém, emprestando valor legal, a saber:
Art. 2º Para os efeitos desta Lei Complementar, considera-se:
I - investidor-anjo: investidor que não é considerado sócio nem tem qualquer direito a gerência ou a voto na administração da empresa, não responde por qualquer obrigação da empresa e é remunerado por seus aportes;
(...)
A nova lei identifica algumas questões importantes para dar mais segurança ao Investidor-Anjo, estimulando sua participação no financiamento de empreendimentos. Vejamos:
- os Art. 2º e 8º confirmam que o Investidor-Anjo não é sócio, ou seja, não terá participação no capital social, a não ser que ajuste isso de maneira expressa, ou como forma de opção, como se verá nos próximos comentários (o que, naturalmente, o faria perder os poderes angelicais). Neste caso, é importante entender a diferença entre financiar o capital e integrar a operação da empresa, propriamente dita, assumindo todos os riscos que a condição societária impõe.
O Investidor-Anjo impulsiona o capital, mas não possui – pelo menos em princípio – o chamado “affectio societatis”, que é aquele elemento de natureza subjetiva que o aproxima da criação de uma sociedade. Lembrando, aliás, que a própria Constituição Federal, no seu. Art. 5º., inciso XVII, garante a liberdade de associação, ou seja, ninguém é obrigado a estar associado, se assim não quiser.
Neste sentido, o mencionado Art. 8º declara expressamente a não condição de sócio ou acionista, bem como exclui o Investidor-Anjo de responsabilidades por dividas sociais em que recuperação judicial, dívidas trabalhistas e fiscais, não sendo abrangido pela chamada “desconsideração da personalidade jurídica”.
Mas atenção: tratando-se de exceções às regras gerais de responsabilidade, as hipóteses previstas pela nova lei serão sempre examinadas com lupa, especialmente nas justiças especializadas, notadamente trabalhista, razão pela qual devemos tratar com grande importância a construção dos tipos contratuais.
Mas o fato de não ser sócio, não retira do Investidor-Anjo o direito de acompanhar o seu investimento.
Neste sentido a nova lei vai mais além, dando nova redação a outros diplomas legais, como é o caso das alterações propostas ao Estatuto da Microempresa. Ali, por exemplo, a nova regra define novas redações a artigos da lei, incluindo uma série de disposições e direitos, sejam legais, sejam de natureza contratual, como é o caso de participar de deliberações em caráter consultivo, se assim estiver pactuado, exigir contas justificadas, examinar o caixa da empresa, balanços patrimonial e de resultado econômico.
Todas essas possibilidades, no entanto, dependerão de um correto e completo conhecimento recíproco e de uma contratação adequada.
A relevância de uma boa contratação também é indicada pela nova lei quando remete muitas das regras para o contrato de participação, preservando a liberdade contratual atribuída às partes, como é o caso do resgate do investimentos, após decorrido o prazo mínimo de 02(dois) anos, por exemplo.
Os contratos que envolvem a relação com um Investidor-Anjo, portanto, segundo a lei, garantem uma base mínima, mas detêm natureza relacional: são de longa duração, envolvem a transparência, confiança, equilíbrio e boa-fé.
Sendo assim, é imperioso que o empreendedor e seu Anjo desenvolvam conhecimento recíproco, visão compartilhada, princípios fundamentais construídos conjuntamente, condições de flexibilidade para situações de imprevisão, assim como aprendam conjuntamente em como trabalhar a transparência necessária para este tipo de relação.
Nos próximos “capítulos” de meus comentários falarei mais sobre os diversos formatos de contratação possíveis, dando especial atenção às bases relacionais que possam deixar o vínculo mais sustentável. Afinal, o empreendedor também deverá saber proteger o seu próprio Anjo!
Junho de 2021
Ana Luiza Panyagua Etchalus
Advogada – Contract Builder
Mestre em Direito do Comércio Internacional – Especialista em Psicologia Jurídica –- Mediadora
[1] https://www.kickante.com.br/escola/crowdfunding-conceito/o-que-e-como-funciona
[1] https://www.kickante.com.br/escola/crowdfunding-conceito/o-que-e-como-funciona
Comments