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PSICOPATIA - UMA SÍNTESE DOS CONHECIMENTOS ATUAIS -2018/2019

Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em Psicologia Jurídica da IMED – Campus Porto Alegre Orientadora: Profa. Doutora Alcina Soares Barros Porto Alegre 2019



1 INTRODUÇÃO


A dualidade entre o bem e o mal, como máxima filosófica, sempre acompanhou a civilização e a sua evolução. A sociedade atual se debate com a polarização de ideias extremas, manipulação, lideranças negativas e com uma evidente fragilização de valores. As redes sociais refletem os sintomas de uma sociedade cada vez mais aflita, intolerante, manipulativa, sarcástica e agressiva.

A violência, em suas diversas formas, tem sido banalizada, inclusive fazendo aumentar o aparecimento e a validação de comportamentos antes tidos como anormais. Diariamente os indivíduos e os grupos sociais são vitimados com práticas perversas de pessoas que, até serem reveladas na sua essência, se apresentavam como cidadãos médios, ou até de “primeira linha” na sua representatividade social, mas que passam a descortinar facetas que são a causa de incontáveis danos individuais e coletivos: assassinatos em massa, crimes ambientais, cyber crimes, aumento alarmante dos casos de feminicídio e infanticídio, sistemáticos casos de assédio moral/sexual no trabalho e corrupção, entre outros.

Ainda que nem todas as pessoas que apresentem condutas psicopáticas possam ser qualificadas como psicopatas, os estudos das perversões e, neles, a psicopatia, seguem sendo essenciais e de relevante importância como ferramentas de prevenção quanto ao que alguns estudiosos chamam de “danos inevitáveis”, ou seja, aqueles que são causados pelas práticas corriqueiras e repetidas dos perversos psicopatas – aqui um reforço de linguagem.

Sabido, todavia, que vários fatores sempre dificultaram o enfrentamento científico, inclusive a confusa diversidade de classificações, nomenclatura e conceitos sobre o tema e, por via de consequência, a identificação daquele que pratica o dano.

O presente trabalho visa trazer o tema da psicopatia à baila, mas despido do preconceito clássico de que psicopatas somente fazem parte do mundo do crime, ou das fantasias literárias e hollywoodianas.

Nem todos os psicopatas estão por trás das grades, muitos deles estão inseridos na sociedade atuando como médicos, políticos, CEO’s, líderes religiosos, jornalistas, advogados, juízes, professores, o pai, o irmão, o marido, o namorado, o vizinho ao lado. Como reconhecê-los? Como entender que sua presença em qualquer meio é uma ameaça permanente? Há um aumento do número de psicopatas ou a sociedade atual passou a adotar mais amiúde atitudes psicopáticas?

Quanto mais debatido o tema dos psicopatas, mais mecanismos de defesa podem ser apurados na proteção das pessoas, individualmente, e dos grupos sociais, quanto aos efeitos deletérios de suas práticas, ou mesmo alertar a sociedade para que não valide atitudes psicopáticas.

Mas qual o problema que envolve a questão? As pesquisas apontam que em cada grupo social há uma variação entre 2% a 3% de psicopatas, percentual que pode aumentar e até dobrar para grupos sociais desagregados. Logo, uma sociedade em processo de fragilização e desagregação pode, naturalmente, ampliar esta contagem e, como consequência, os danos decorrentes de suas práticas.

O objetivo principal do trabalho proposto é revisar os conceitos, atualizar as referências bibliográficas, renovando, por consequência, a informação sobre os estudos mais recentes. Para tanto, a primeira etapa do trabalho consiste em renovar o histórico do estudo da psicopatia, passando pelos conceitos e classificações, inserindo no seu contexto algumas atualizações sobre a situação no campo das pesquisas, bem como mencionando a questão no Brasil para, então, apresentar a conclusão.



2 METODOLOGIA:


A metodologia do presente trabalho consiste no exame comparativo de bibliografia nacional e estrangeira, artigos científicos e matérias jornalísticas.

Trata-se de uma pesquisa aplicada, qualitativa e descritiva, realizada a partir de fontes bibliográficas e documentais, tais como livros, leis, trabalhos acadêmicos e outras fontes disponíveis na internet.

Os dados serão registrados em fichas e analisados subjetivamente.

Quanto ao método de abordagem será empregado o dedutivo.


3 BREVE HISTÓRICO DOS ESTUDOS DA PSICOPATIA


“Tão frio, tão gélido, que se queima os dedos nele! Toda a mão que o toca, assusta-se! – E precisamente por isso

muitos o tomam por ardente”.

F. Nietzsch – Além do Bem e do Mal.


Doença da mente ( psico – mente + patia - ), assim pode ser definida a psicopatia. Mas já é sabido, todavia, que os psicopatas, aqueles que são identificados com essa chamada “doença da mente” não possuem perda de contato com a realidade, daí alguns estudiosos afirmarem que a psicopatia envolve um ser cindido, ou seja, um ser à parte, separado do que entendemos como padrões de normalidade.

No campo científico foi Philippe Pinel quem abriu as portas ao ser objeto deste estudo, através da publicação, em 1801, do seu Traité Médic-Philosophique sur L’aliénation Mentale ou La Manie (Tratado Médico-Filosófico da Alienação Mental ou a Mania). Naquele então, tratado como manie sans délire, mania sem delírio, pela primeira vez os psiquiatras passam a prestar atenção a certos indivíduos que, transgressores morais, tinham consciência plena da característica e das consequências de seus atos (ROMERO POZUECO, 2010). Os exemplos clínicos de Pinel eram baseados em comportamentos explosivos, violentos, o que poderia identificar o que hoje seria nominado como Transtorno Anti-Social (PATRICK, 2018).

Na sequência de Pinel (ROMERO POZUECO, 2010), foi o britânico James Cowles Prichard, em 1835, quem publica o A treatise on Insanity and Other Disorders Affecting the Mind (Tratado sobre a Insanidade e Outras Desordens da Mente), identificando a questão como loucura moral. Prichard acrescenta à ideia de Pinel, a máxima de que os indivíduos acometidos da mania sem delírio, possuíam um defeito de caráter que deveria ser objeto de condenação social (ROMERO POZUECO, 2010).

Entre 1896 e 1915, o psiquiatra alemão Emil Kraeplin emprega especificamente o conceito de personalidade psicopática e apresenta uma classificação baseada em aspectos deficitários dos psicopatas. O médico alemão faz a seguinte classificação, segundo Abdalla-Filho e Chalub & Telles (2016, p. 531): “inimigos da sociedade (...), caracterizados por obscurecimento dos elementos morais (...) são destrutivos, ameaçadores e apresentam emocionalidade superficial”.

A escola alemã teve como seguidor de Kraeplin o doutor e psiquiatra Kurt Schneider que em sua principal obra, Dies Psychopathischen Persönlichktein (As Personalidades Psicopáticas), publicada em 1923, antecipou conceitos que até o presente momento são debatidos no que hodiernamente são chamados de psicopatas integrados. Schneider sugeriu que:


Embora nem todos os deliquentes sejam psicopatas, existem aqueles que iniciam uma carreira criminosa muito precocemente, na infância ou na adolescência, e seriam incorrigíveis. Além disso, alguns sujeitos teriam uma ascensão vertiginosa e um êxito fora do comum em suas respectivas carreiras. Nos setores políticos e em cargos de poder, em particular, teriam características semelhantes àqueles que seguem uma carreira criminosa desde a juventude, diferenciando-se apenas pelos tipos de transgressão (ROMERO POZUECO, 2010, p. 35-36).


Tanto Kraeplin, quanto Scheneider, identificaram casos clínicos envolvendo vigaristas dotados de grande charme e poder de persuasão, amorais, indignos de confiança e desleais. Avançaram para além do indivíduo violento (KRAEPLIN; SCHENEIDER apud PATRICK, 2018, p. 4).

Mas o grande impulso ao estudo científico da psicopatia ocorreu em 1941, quando o professor norte-americano Hervey Cleckley publica The Mask Of Sanity (CLECKLEY, 1982), obra na qual o mesmo faz uma descrição mais ampla da sintomatologia e das condutas psicopáticas, elencando dezesseis características que serviriam de base para o desenvolvimento das referências que até hoje prevalecem cientificamente.

Robert D. Hare, a partir dos anos 70, toma conta do cenário científico da psicopatia, tornando-se até hoje a grande referência científica moderna. O renomado professor e pesquisador canadense foi mais adiante da pesquisa de Cleckley, afirmando que “os psicopatas sofrem um déficit na integração do mundo emocional com o raciocínio e o comportamento” (GARRIDO, 2011, p. 63). Além disso, em 1980, Hare elabora a Psychopathy Checklist (PCL), ou Escala de Avaliação de Psicopatia de Hare, até hoje adotada e aprimorada como o mais eficaz método de identificação deste tipo de personalidade.

Mas, segundo o próprio Robert D. Hare (2013, p. 42) afirma, muitos escritores aceitaram o desafio de estudar o porquê alguns indivíduos agiam abertamente contra aquilo que a maioria das pessoas acolhia no controle de seus impulsos e fantasias mais bárbaras:

Muitos escritores aceitaram o desafio mas nenhum teve tanto impacto como Hervey Cleckley. Em seu livro, agora clássico, The Mask of Insanity, publicado pela primeira vez em 1941, Cleckley implorava atenção para o que reconhecia como um problema social urgente, mas ignorado.


Para Cleckley, a característica mais saliente e importante da psicopatia se situava na aparência altamente credível de uma estrutura psicológica de normalidade (“sanidade”) que opera para ocultar (“mascarar”) uma patologia subjacente grave que se manifesta em comportamento despreocupado e desenfreado em múltiplas áreas da vida (PATRICK, 2018).

Mas, neste entremeio, há de se falar no DSM-I e suas sucessivas atualizações. O Diagnostic and Statistical Maniual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico de Transtornos mentais), publicação oriunda da Amercian Psychiatric Associationi (Associação Psiquiatrica Norte-Americana), editado pela primeira vez em 1952 – DSM-I, propôs entre sua classificação o termo distúrbio da personalidade sociopata, reação antissocial para classificar, ou identificar, aqueles indivíduos objeto de estudo da psicopatia. A segunda edição do DSM, ou DSM-II, substituiu a expressão anterior por personalidade antissocial (ROMERO POZUECO, 2010).

Já nos anos 70 Hare manifestava sua insatisfação com os sucessivos conceitos trazidos pelo DSM, afirmando:


O termo é de difícil uso e na prática é algumas vezes substituído por sociopata ou personalidade sociopata. No entanto, o antigo e mais familiar termo psicopata ainda tem popularidade e é geralmente usado para indicar a categoria do diagnóstico descrito... (HARE, 1973, p. 4).


Uma década mais adiante o mesmo Hare transformou o conceito abstrato de Cleckley (1982) em algo mensurável com a referida “Psychopath Checklist” (HARE, 2013).

Em 2009, Sandra L. Brown lança a obra “Mulheres que Amam Psicopatas” (TRINDADE, 2017) na qual, além de renovar e ampliar conceitos e classificações, de maneira pioneira dedica-se a estudar as vítimas de relacionamentos com psicopatas.

Também em tempo recente, 2012, o psicólogo inglês Kevin Dutton analisa os mais recentes avanços da neurociência e da neuroimagem para apresentar sua teoria de que “todos possuímos tendências psicopáticas”. Traz à luz, por exemplo, estudos que afirmam não ser verdadeira a afirmação de que os psicopatas seriam incapazes de sentir empatia, o que contradiz todas afirmações científicas anteriores e peremptórias neste sentido.

Em 2014, Kent A. Kiehl, discípulo de Hare, apresenta sua conclusão de estudos realizados a partir de exames de eletroencefalogramas e ressonâncias magnéticas funcionais, afirmando que os psicopatas possuem anormalidades na massa cinzenta do cérebro que forma o chamado sistema paralímbico.

Hawes, Mulvey, Schubert e Pardini, também em 2014, afirmaram que “A psicopatia é um transtorno de personalidade complexo caracterizado por dimensões interpessoais, afetivas e comportamentais” (SALEKIN; ADERSHED; CLARK apud PATRICK, 2018, p. 423).

Mais recentemente, 2018, em uma segunda edição, vários pesquisadores liderados pelo professor norte-americano Christopher J. Patrick, publicaram diversos artigos e resultados de pesquisas renovando as construções teóricas e os diversos estudos clínicos no nominado “Handbook of Psychopathy” (Manual de Psicopatia) (PATRICK, 2018).

Evoluem os estudos e os conceitos da psicopatia tanto quanto evolui a sociedade.

O objetivo do presente trabalho é contribuir com o que Robert D. Hare (2013, p. 43-44) entende como um objetivo vital da pesquisa neste campo, ou seja, “o desenvolvimento de modos confiáveis de identificar esses indivíduos a fim de minimizar o risco que representam para os outros”.

Renovar e atualizar os conceitos sobre tema tão relevante pode auxiliar na dimensão deste risco que corremos todos nós, enquanto sociedade. Afinal, não devemos nos preocupar apenas com os psicopatas criminosos, senão com o fato de que muitas outras pessoas apresentam traços de psicopatia provocando, por via de consequência, danos inevitáveis desde relações interpessoais, familiares, até tragédias com repercussões sociais e internacionais e, além disso, podendo ser ninguém mais do que o vizinho de porta, o chefe, amigo, namorado, marido, ou algum de nossos mais respeitados homens públicos.


4 CONCEITOS, CARACTERÍSTICAS, CLASSIFICAÇÕES E CONHECIMENTOS ATUAIS SOBRE A PESQUISA DA PSICOPATIA


“Tenho todas as características de um ser humano,

mas nenhuma emoção clara, identificável.

Simplesmente não estou presente”

(Paul, personagem do filme

Psicopata Americano” (2000).


Diferentemente do que a cultura popular pode conceituar, a psicopatia não se enquadra numa doença mental, tampouco os indivíduos assim identificados são inimputáveis para os efeitos de aplicação das penalidades criminais, uma vez que a mente do psicopata é preservada e sua consciência é integral para efeitos dos atos praticados. São muitos os debates, mas os estudos atuais consideram a psicopatia em essência uma personalidade sendo, para alguns, uma configuração particular de personalidade (LYMAN; MILLER & EREFINKO apud PATRICK, 2018, p. 259-296).

Deste modo, os estudos, a partir de Cleckley (1982), tratam a psicopatia a partir dos traços ou fatores que foram delineados por estes estudiosos, o que levou os mesmos também a direcionarem as pesquisas dentro das mesmas premissas que baseiam os estudos da personalidade de um modo geral, notadamente o modelo PEN de Eysenck , o modelo de três fatores de Tellegen e o modelo de cinco fatores (FFM) (LYMAN; MILLER & EREFINKO apud PATRICK, 2018, p. 259-296).

Todavia, um problema inicial para a compreensão do tema, diz respeito à variação de nomenclatura com que os estudiosos e cientistas identificam a mesma estrutura: PSICÓTICO OU PSICOPATA? SOCIOPATA OU ANTISSOCIAL? Aclarar estas diferenças já permite uma compreensão mínima para o tema de fundo, não fosse este tema justamente aquele que é objeto das mais diversas correntes científicas a respeito.

Desde sempre parece nunca ter havido consenso quanto à nomenclatura nem mesmo quanto aos diagnósticos (LYKKEN apud PATRICK, 2018, p. 22) refere que o diagnóstico psiquiátrico era uma forma de arte impressionista, e mesmo profissionais experientes muitas vezes não conseguiam concordar em classificar os mesmos pacientes, exceto de uma forma muito geral, incluíam todos como “psicóticos”, o que pode ser uma das tantas causas das confusões quanto aos conceitos. Às vezes, ainda segundo o autor mencionado, os diagnósticos baseavam-se em inferências altamente subjetivas sobre os impulsos e motivações inconscientes do paciente, ou sobre as observações não sistemáticas e até mesmo peculiares do clínico acumuladas ao longo de anos de prática.

A partir da publicação da pesquisa de Hervey Cleckley – The Mask of Sanity – hoje considerado um clássico - , surge uma referência balizadora e mais uniformizadora da questão, tomando por base estrutura – traços - de personalidade indicada pelo mesmo (CLECKLEY, 1982, p. 205 tradução livre):


a) charme superficial e boa “inteligência”;

b) ausência de ilusões(delírios) e outros sinais de pensamento irracional;

c) ausência de nervosismo e outras manifestações psiconeuróticas;

d) falta de confiança;

e) falsidade e insinceridade;

f) ausência de remorso ou vergonha;

g) comportamento antissocial inadequadamente motivado;

h) pobreza de julgamentos e falhas em aprender pela experiência;

i) egocentrismo patológico e incapacidade para o amor;

j) pobreza geral nas principais reações afetivas;

k) perda específica de “insight”(discernimento);

l) falta de resposta nas relações interpessoais gerais;

m) comportamento fantástico e pouco convidativo com bebida e às vezes sem;

n) suicídio raramente realizado;

o) vida sexual impessoal, trivial e mal-integrada;

p) falha em seguir qualquer plano de vida.


Cleckley (1982, p. 137) identificou a estrutura de personalidade psicopática e definiu seus traços, avançando também em termos comparativos. Afirmou que os psicopatas apresentam pensamentos coerentes em comparação com os pacientes psicóticos e esquizofrênicos e, ainda, que mostram expressões verbais e faciais ostensivamente saudáveis. De modo geral, segundo o mesmo, os psicóticos – grupo aos quais os psicopatas não pertenceriam –, são usualmente reconhecidos pela lei como “insanos” e, pelas pessoas, em geral, como irracionais, irresponsáveis, totalmente incapazes de lidar com os fatos normais e de se manterem em segurança.

Os psicóticos são aqueles indivíduos que são acometidos de doenças psiquiátricas que implicam numa distorção do senso de realidade (SALOMON; PATCH, 1975, p. 179), possuem crenças não somente bizarras e inconsistentes, mas dificilmente banidas de seu pensamento delirante – ouvem vozes, têm visões, por exemplo. Estes transtornos, ou seja, os transtornos psicóticos, estão associados à inimputabilidade penal, ou seja, à incapacidade de entendimento sobre os fatos praticados e à consequente responsabilidade penal (ABDALLA FILHO-CHALUB & TELLES, 2016, p. 431).

Já os psicopatas, são livres de quaisquer sinais delirantes ou psiconeuróticos. No seu comportamento não há nenhum aparente defeito de raciocínio teórico. No dizer de Cleckley (1982, p. 138), “ seu contorno de personalidade está aparentemente ou superficialmente intacto e não é obviamente distorcido”. Assim mesmo, o próprio Cleckley (1982) admitia que essa mesma estrutura de personalidade poderia conviver com a existência de alguma psicose, sem que isso alterasse a sua base psicopática.

Em outras palavras, a estrutura da personalidade exterior não difere da estrutura de personalidade de pessoas normais, exceto no seu fundo, como diz Romero Pozueco (2010, p. 106): “Los psicópatas a nível de personalidad, de forma de ser, no difieren de nosostros em la forma, sino em el fondo; es decir, difieren en la mecânica y contenido de su personalidade, pero en su estructura”.

No entanto, essa aparente manifestação de saúde mental normal vem acompanhada de um simultâneo desvio de comportamento grave. O psicopata falha quando é colocado na prática da vida real (PATRICK, 2018, p. 3-21).

Nessa ordem, outra questão deveras complexa está relacionada ao conceito de TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTISSOCIAL, inserido nos chamados TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE e que é objeto de grandes polêmicas científicas. O TPAS vem definido pelo DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatísticos de Transtornos Mentais) (ABDALLA FILHO-CHALUB & TELLES; ENGELHARDT apud ABDALLA FILHO-CHALUB & TELLES, 2016, p. 507) como sendo:


Um padrão persistente de experiência interna e comportamento que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo, é difuso e inflexível, começa na adolescência ou no início da fase adulta, é estável ao longo do tempo e leva a sofrimento e prejuízo.

Deste conceito derivam diversas discussões, conforme antes afirmado, posto que acaba por confundir-se com o conceito usualmente aceito para a psicopatia. É que o TPAS (Transtorno de Personalidade Antissocial) do DSM é aquele que maior identificação e conexão possui com o conceito de PSICOPATIA.

As críticas lançadas sobre o DSM residem no fato de que o constructo ali identificado deixaria de lado os aspectos ditos afetivos, ou de ordem subjetiva da personalidade do indivíduo psicopata, segundo a definição de Cleckley (1982), atendo-se ao aspecto exterior, ou comportamental. Daí deriva também o conceito de SOCIOPATA, eis que a corrente sociológica de estudiosos atribui ao meio um fator de alta responsabilidade e reflexo no comportamento antissocial.

Ocorre que nem todo o antissocial – entendimento unânime – pode ser considerado psicopata, enquanto o inverso não pode ser aceito como verdadeiro, ou seja, a psicopatia abrangeria, não somente os traços identificados pelo DSM mas, para além deles, outros que seriam traços típicos deste tipo de estrutura de personalidade, tais como charme superficial, manipulabilidade, egocentrismo, insensibilidade e afeto superficial (GLENN; JOHNSON; RAINE, 2013).

A polêmica quanto ao constructo do DSM também está centrada na alegada inespecificidade dos critérios, criando uma categoria heterogênea em relação à origem e causa, bem como às características psicológicas que dão origem aos variados padrões de comportamento socialmente desviante. Alguns afirmam que identificar alguém como “ter” o Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS) é tão inespecífico e cientificamente inútil quanto diagnosticar um paciente doente como tendo febre, ou um distúrbio infeccioso ou neurológico (LYKKEN apud PATRICK, 2018, p. 22-38). Ainda assim, tem auxiliado muito no estudo dos criminosos em geral, bem como nas várias análises e meta-análises sobre o tema.

Alguns estudos trabalham o conceito de PSICOPATIA PRIMÁRIA e PSICOPATIA SECUNDÁRIA, afirmando que, embora os dois apresentem comportamentos semelhantes, a PSICOPATIA PRIMÁRIA seria decorrente de um déficit de afetividade fundamental e irrecuperável, enquanto a PSICOPATIA SECUNDÁRIA seria caracterizada pela existência de uma consciência, porém, com falhas de funcionamento que seriam rastreáveis a partir do meio, partindo de maus tratos infantis. Daí que, nesta hipótese, o conceito de PSICOPATIA PRIMÁRIA estaria próximo ao conceito de PSICOPATIA propriamente dito criado a partir de Cleckley (1982), enquanto a PSICOPATIA SECUNDÁRIA estaria mais vinculada ao conceito de TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTISSOCIAL E DE SOCIOPATIA (HICKS & DRISLANE apud PATRICK, 2018, p. 297-332).

Estudos mais recentes utilizando a neurobiologia concluem que, embora existam déficits orgânicos semelhantes, o Transtorno de Personalidade ANTISSOCIAL e a PSICOPATIA seriam caracterizados por processos neurobiológicos distintos, sugerindo que existem diferenças na etiologia desses distúrbios (GLENN; JOHNSON; RAINE, 2013).

Na medida em que existem causas neurobiológicas variadas da violência, incluindo diferenças neurodesenvolvimentais entre criminosos psicopatas e não psicopatas, ou seja, o cérebro dos psicopatas apresentaria dimensões, volumes e estrutura distintas dos demais indivíduos (RAINE apud BROWN, 2018, p. 157-158), as diversas classificações também servem para separar adequadamente os indivíduos dos respectivos e diversos distúrbios de personalidade.

Recente estudo feito por Kiehl (2014, p. 249) complementa as pesquisas de RAINE e associa o volume da massa cinzenta do cérebro com disfunções, especialmente no chamado sistema paralímbico, parte do cérebro que regula emoção e impulsividade. Segundo o mesmo, o cérebro dos psicopatas teria uma atrofia nesse sistema.

O estudo foi feito a partir da comparação entre cérebros de criminosos psicopatas e criminosos não psicopatas, constatando-se menor volume de massa cinzenta no cérebro dos primeiros. Para chegar a esta conclusão Kiehl (2014, p. 164-166) partiu de amostragens realizadas em processos de terapia cognitivo-comportamental com objetivos orientados, constatando que os psicopatas não conseguem alcançar, ou entender, o sentido de palavras abstratas. Ao não diferenciarem o significado de palavras abstratas e palavras concretas, os psicopatas não sofrem qualquer impacto com palavras de significado afetivo, por exemplo. Partindo desta constatação, o pesquisador e sua equipe avançaram no estudo do cérebro de detentos psicopatas, utilizando-se de ressonâncias magnéticas funcionais, até identificarem as anormalidades apontadas. O estudo foi realizado em mais de 3.000 detentos.

Logo, as diferenças entre os ANTISSOCIAIS e os PSICOPATAS, apontam as pesquisas, não se restringem tão somente aos aspectos de personalidade e de comportamento.


4.1 ESCALA HARE – CHECK LIST DA PSICOPATIA


Não se pode tratar o tema da psicopatia sem mencionar o trabalho de Hare (2013). O psicólogo e criminalista canadense avançou nos estudos de Cleckley (1982) para criar, estabelecer dois tipos de constelações de características, “emocional/interpessoal”, ou seja, de ordem interna; e “desvio social” de ordem externa. Mas não só isso: levantou a possibilidade de que “a psicopatia está associada a anomalias em estruturas corticais / subcorticais e circuitos funcionais responsáveis pela integração de cognição, afeto e comportamento” (Hare, 1998b, p. 117; HARE; NEUMANN; MOKROS apud PATRICK, 2018, p. 39-79).

A partir disso e diante das dificuldades encontradas na identificação do perfil dos indivíduos encarcerados – os trabalhos de pesquisa sempre foram feitos com base em psicopatas presos-, HARE criou a chamada Escala Hare PCL-R, identificando o que se chama SINTOMAS-CHAVE DA PSICOPATIA (HARE, 2013) e fixando-os em dois blocos.

Como não havia um método confiável, válido e geralmente aceitável para a avaliação da psicopatia, era difícil ou impossível comparar os resultados de diferentes pesquisadores e estudos. Isso levou Hare, sua equipe de pesquisa e os alunos a tentarem desenvolver uma métrica comum para a avaliação da psicopatia, combinando traços de personalidade e de comportamentos antissociais, de acordo com a tradição clínica. Esses esforços resultaram em uma escala de 20 itens Hare mais tarde, referido como o Checklist de Psicopatia (PCL), que tem por base dois fatores, quais sejam (HARE; NEUMANN; MOKROS apud PATRICK, 2018, p. 39-79):


EMOCIONAL/INTERPESSOAL(fator 1) DESVIO SOCIAL(fator 2)

- eloquente e superficial - impulsivo

- egocêntrico e grandioso - fraco controle do comportamento

- ausência de remorso ou culpa - necessidade de excitação

- falta de empatia - falta de responsabilidade

- enganador e manipulador - problemas de comportamentos precoces

- emoções rasas - comportamento adulto antissocial


A “Escala Hare”, ou Check List da Psicopatia, passou a ser utilizada para aferir o grau de psicopatia, ou de antissocialidade de um indivíduo, sendo aplicada em diversos países para avaliação, aplicação ou moderação de penalidades criminais. É utilizado nesse método um questionário que contém originalmente 20 perguntas. Cada item é pontuado por uma escala numérica de 1 a 2 pontos (0 para “não”, 1 para “talvez/ em algum aspecto” e 2 para “sim”).

Uma pontuação elevada nesse teste sugere uma alta probabilidade para reincidir no crime. A pontuação geral do PCL varia de 0 pontos a 40 pontos, e as perguntas se baseiam nos dois grupos de fatores antes indicados, ou seja, os chamados Fator 1 (que se relaciona a traços de personalidade) e o Fator 2 ( fatores de comportamento).

Várias outras escalas, ou medidores, a partir da Escala Hare, foram sendo desenvolvidos com o passar do tempo, mas os estudiosos afirmam que “parece haver consenso de que o PCL-R é o mais adequado instrumento, sob a forma de escala, para avaliar a psicopatia e identificar fatores de risco de violência” (TRINDADE, 2017, p. 194), em razão de sua alta confiabilidade.

A efetividade da escala Hare, ou PCL-R, fez com que viesse a ser utilizada, não somente em muitos estudos que têm implicações potenciais para o tratamento do ofensor, ou paciente psiquiátrico forense pelo sistema de justiça criminal mas, inclusive - e este ponto é deveras relevante para outras esferas da vida- não somente o ambiente criminal, em audiências de compromisso civil e laboral (14), o que é referido pelo próprio Hare em trabalho recente realizado em conjunto com (HARE; NEUMANN; MOKROS apud PATRICK, 2018, p. 39-79).


4.2 ALGUMAS CLASSIFICAÇÕES OU SUBTIPOS


As conceituações modernas da psicopatia baseiam-se na integração de uma longa tradição clínica - em grande parte psicodinâmica por natureza - com as teorias, conceitos e metodologias da ciência comportamental. Há muitas revisões históricas dos primeiros escritos clínicos sobre psicopatia, geralmente descritos como uma combinação de traços de personalidade inferidos e comportamentos socialmente desviantes (HARE; NEUMANN; MOKROS apud PATRICK, 2018, p. 39-79).

Frios e calculistas, inescrupulosos, dissimulados, mentirosos e sedutores, os psicopatas são incapazes de estabelecer vínculos afetivos ou de se colocarem no lugar do outro; são desprovidos de empatia, de culpa ou remorso e, muitas vezes, revelam-se agressivos e violentos. Mas, sobretudo, os psicopatas são absolutamente conscientes de seus atos.

Embora a classificação de Cleckley (1982) ainda seja aquela que sirva de base para a maioria das pesquisas, alguns estudiosos afirmam que nem todos os psicopatas seriam “charmosos”, nem mesmo superficialmente (SIMON, 2009, p. 54) e que revelariam, isto sim, um transtorno de personalidade narcisista.

A partir dos traços indicados por Cleckley (1982), muitos estudos foram feitos no sentido de atribuir classificações, ou subtipos de psicopatas. Deste modo, a conceituação clássica de que essa estrutura de personalidade estaria “fechada”, veio sendo alterada com o tempo, surgindo várias correntes e várias linhas de pesquisa que, ainda assim, convergem entre si para a mesma estrutura (HICKS; DRISLANE apud PATRICK, 2018, p. 297).

Além da referência anterior já mencionada sobre os PSICOPATAS PRIMÁRIOS E OS PSICOPATAS SECUNDÁRIOS (HICKS; DRISLANE apud PATRICK, 2018, p. 297-332; SIMON, 2009, p. 54), por exemplo, classifica os psicopatas em PASSIVOS e AGRESSIVOS, sendo que os primeiros seriam aqueles com características de parasitagem e exploração, envolvidos vez por outra com a lei, mas que em geral conseguem se livrar. Há uma grande incidência deste tipo de psicopatas nos chamados “crimes de colarinho branco”. Já os psicopatas agressivos, podem cometer crimes sádicos e violentos em série, por exemplo.

A partir do estudo dos efeitos causados nas vítimas dos psicopatas, a cientista americana Brown (2018, p. 29-30) faz uma interessante classificação, também baseando seu trabalho na conceituação clássica de Cleckley (1982, p. 138-139) porém, somando às mesmas, caracteres psicóticos. A autora nomina todas as estruturas como “sem consciência”, vejamos:


PSICOPATA PARANOIDE – sente-se constantemente discriminado; está sempre tenso e alerta para reações adversas em relação a ele; passa muito tempo focado no que está errado;

PSICOPATA ESQUIZOIDE – pode ser totalmente psicótico (rompimento com a realidade) ou apenas distante e introvertido; costuma evitar problemas; é solitário;

PSICOPATA AGRESSIVO – tem temperamento explosivo. Irrita-se facilmente; é destrutivo; é socialmente agressivo;

PSICOPATA VIGARISTA – mente, rouba, trapaceia e não cumpre promessas desde criança; é extremamente egoísta; é insensível à bondade e à amabilidade; é irresponsável;

PSICOPATA SEXUAL – apresenta distorção de impulsos sexuais; necessita de gratificação imediata de impulsos sexuais; em geral tem um bom grau de instrução e um bom emprego, pode ser sádico e cometer crimes hediondos.


Os estudos mais recentes tomam por base a já mencionada classificação de PSICOPATIA PRIMÁRIA e PSICOPATIA SECUNDÁRIA, ou ainda, SUBTIPOS, nos quais estariam o subtipo severo – mais relacionado com a exteriorização de comportamentos violentos – e o subtipo, ou tipologia de Cleckley (1982), cuja conduta transparece uma atitude imperturbável, ajustada, ou “normal”, que não indica traços antissociais. Estes exames concluem que o chamado “subtipo severo” transmite uma imediata impressão de psicopatia, ou psicopatologia grosseira, denotando comportamentos extremos e obviamente antissociais, além de persistência nas condutas criminosas, estando geralmente associados a baixo nível de escolaridade e baixo nível socioeconômico. Já a concepção de psicopatia de Cleckley (1982), não sofreria influencias ambientais, não se diferenciando, portanto, por classes sociais, o que indicaria o caminho da herança genética (HICKS; DRISLAINE apud PATRICK, 2018, p. 297).

Outra classificação bastante utilizada, inclusive para efeito de pesquisas científicas, é aquela que distingue psicopatas “bem sucedidos” e “mal-sucedidos”. Os “mal-sucedidos” são definidos como aqueles com históricos de apreensão criminal; enquanto os “bem sucedidos” são aqueles que nunca são apreendidos (Benning; Venables & Hall apud PATRICK, 2018, p. 585-608). Referida classificação, como será vista mais adiante, serviu para a identificação e estudo dos chamados “psicopatas integrados”.

As classificações e subtipos têm servido, não somente para efeito das pesquisas, como também para realizar diagnósticos próximos de constructos outros que não a psicopatia, propriamente dita, mas que podem apresentar alguns de seus traços, com ela se confundindo. A correta identificação facilita o entendimento, inclusive para adoção de procedimentos terapêuticos.


4.3 PSICOPATIA EM CRIANÇAS, ADOLESCENTES


Questões morais, religiosas e, naturalmente, de desenvolvimento neurobiológico, sempre foram alguns dos limitadores ao enfrentamento do estudo da psicopatia em crianças e adolescentes. No entanto, os estudos demonstram que, a maioria dos psicopatas adultos identificados e testados, apresentam histórico de incidência das mesmas características que ditarão sua conduta desde a infância à vida adulta, passando pela juventude.

Apesar de uma grande parte das pesquisas realizadas em crianças e adolescentes sugerirem que os traços de psicopatia são relativamente estáveis da infância, passando pela juventude e mantidos até a vida adulta, há unanimidade no meio acadêmico no sentido de não afirmar, não rotular uma criança, ou adolescente, como psicopata. É que esta afirmação poderia prejudicar o futuro desenvolvimento do indivíduo na sua vida adulta.

Ainda assim, é o próprio Hare (2013, p. 165) que afirma: “a psicopatia não surge de repente, sem aviso, na personalidade da pessoa adulta”.

Garrido (2011, p. 229-239) indica alguns comportamentos ou reações que surgem na infância e que, em geral, persistem na vida adulta, quais sejam:


Egocentrismo persistente; crises de cólera e de agressão; incapacidade de compreender pontos de vista e emoções dos outros; crueldade com as outras pessoas e reatividade emocional anestesiada; manipulação; mentiras; ausência de culpabilidade; tirania e perturbações na adolescência; irresponsabilidade permanente.


Hare (2013, p. 165), por sua vez, afirma que aquelas crianças que na vida adulta vem a ser diagnosticadas como psicopatas, já apresentam anormalidades de comportamento em relação às outras crianças, desde os primeiros anos de vida, relacionando, ainda, alguns indicadores já perceptíveis nos primeiros anos de escola:


a) mentiras repetitivas, casuais e aparentemente sem sentido;

b) aparente indiferença a sentimentos, expectativas ou dores dos outro incapacidade, ou então, de compreendê-los;

c) contestação dos pais, de professores e de regras;

d) problemas contínuos e falta de resposta a reprimendas e ameaças de castigo;

e) pequenos roubos de objetos de outras crianças e dos pais;

f) agressão, bullying e brigas persistentes;

g) registro de faltas contínuas à escola, desrespeito ao horário de voltar para casa, saídas de casa sem avisar;

h) padrão de machucar ou matar animais;

i) experiências sexuais precoces;

j) vandalismo e incêndio;


Salekin, Andershed e Clarck (apud PATRICK, 2018, p. 479) fizeram recente compilação de vários estudos que afirmam que os traços da psicopatia estão presentes em tenra idade. Alguns estudos, segundo os mesmos, comprovam que características egocêntricas podem ser duradouras, uma vez que tendências egocêntricas medidas aos 3 anos de idade, mostraram prever o estilo de personalidade arrogante na idade adulta jovem. Outro estudo descobriu que crianças entre 18 e 36 meses, apresentaram preocupação empática e sofrimento pessoal em resposta a simulações de dor e tristeza em adultos; e que crianças de até 22 meses, mostram respostas que refletem tensão (expressões corporais e olhar aversivo).

Os mesmos autores acima mencionados afirmam que tais descobertas sugerem a identificação de que respostas patológicas em relação à empatia, como frieza, falta de culpa, insensibilidade e, talvez, até deliberadamente, crueldade em relação aos outros, também podem ser observadas em crianças muito jovens.

Segundo Kiehl (2014, p. 191), a mais significativa e confiável tentativa de identificar traços de psicopatia em jovens adolescentes, consiste na utilização da CHECK LIST PCL-R de Robert Hare, na sua versão juvenil – HARE PSYCHOPATHY CKECKLIST-YOUTH VERSION, que é baseada na versão aplicada em adultos.

Todavia, quando aplicado o teste de Hare em jovens e adolescentes, os acadêmicos preferem identificar aqueles que alcançam pontuação elevada, como jovens que apresentam “traços de insensibilidade e falta de emoção”.

E este cuidado é justificado a partir de vários estudos clínicos onde os jovens indivíduos apresentam traços psicopáticos na juventude, mas que não ditam necessária persistência na vida adulta, o que encaminharia o indivíduo para uma potencial estigmatização, impedindo, inclusive, de serem melhor investigadas outras características ou comorbidades existentes.

Reafirmando o cuidado dos pesquisadores com o perigo de uma estigmatização (VIDING; KIMONIS apud PATRICK, 2018, p. 144-164) afirmam, por exemplo, que traços de Transtorno de Conduta em jovens são mutáveis, e que um dos fatores da minimização destes traços, residiria na conscientização dos pais e no seu acolhimento, bem como no acompanhamento clínico em tempo adequado.

Portanto, o tema segue aberto a inúmeras possibilidades e desdobramentos de pesquisas.


4.4 PROBLEMA DE ORIGEM INDEFINIDA


Sabidamente o campo científico é fértil em disputas, muitas delas, tendo como base a diversidade de pensamentos; outras, a dimensão dos egos envolvidos. Natural, portanto, que o caminho a seguir para aqueles que buscam as informações, sobretudo mais aprofundadas, esbarrem em muitas dificuldades. Não seria diferente com a psicopatia.

Conforme antes afirmado, existem muitas controvérsias sobre a origem, as causas da psicopatia. Hare (2013, p. 172-173) afirma que ainda não está claro aos pesquisadores quais seriam as forças que produzem a psicopatia, mas que, em sua opinião, “as atitudes e os comportamentos do psicopata são, muito provavelmente, resultado de uma combinação de fatores biológicos e forças ambientais”.

Neste campo é relevante trazer à tona, novamente, as críticas ao DSM da Sociedade Americana de Psiquiatria, desta feita, lançadas pelo Instituto de Saúde Mental dos Estados Unidos. Em discussão que tem início no ano de 2013, o instituto, conhecido por sua sigla em inglês(NIMH), através de seus principais pesquisadores, passou a afirmar que as categorias diagnósticas do DSM não teriam validade científica efetiva, porquanto, seriam baseadas em conjuntos de sintomas clínicos e não em medidas e critérios laboratoriais objetivos (artigo 6). Estariam abertas as bases para o surgimento do projeto Rdoc (Research Domain Criteria) como um projeto para transformar o diagnóstico, por meio da incorporação da genética, neuroimagem, ciência cognitiva, e outros níveis de informação, com o fim de estabelecer as bases para um novo sistema classificatório distinto do DSM. Segundo Blair e Hwang & White (apud PATRICK, 2018, p. 401-415) a estrutura do RDoc teria sido criada para colocar a neurociência cognitiva no centro da compreensão dos transtornos psiquiátricos.

Discussões vêm sendo estabelecidas desde então, entretanto, é inquestionável que o avanço nas pesquisas neurocientíficas vem proporcionando ao estudo das psicopatologias, como no caso, a psicopatia.

Hare (2013, p. 173) afirma que “a sociobiologia, disciplina relativamente recente, argumenta que a psicopatia não é tanto um transtorno psiquiátrico, mas a expressão de uma estratégia reprodutiva, de base genética”. Ou seja, que a reprodução humana, a transmissão genética às próximas gerações, é um dos nossos grandes papéis e que a estratégia dos psicopatas seria a reprodução indiscriminada, pouco importando se crianças seriam bem cuidadas, ou não. O que importaria seria a propagação de seus genes.

Portanto, a partir da constatação de traços psicopáticos em crianças, a sociobiologia parte para a investigação genética, sugerindo que as influências genéticas são significativas e que as influencias ambientais seriam moderadas se comparadas às primeiras, na formação da personalidade psicopática, invertendo esta conclusão no caso do comportamento antissocial (WALDMAN; RHEE; LoPARO; PARK apud PATRICK, 2018, p. 335-353). Todavia, os mesmos autores afirmam que a pesquisa neste campo ainda carece de mostras mais amplas e que deverá evoluir muito nas próximas décadas.

Voltando aos estudos de neurociência, encontram-se um pouco mais avançados, segundo avança a literatura a respeito do tema da psicopatia, já tendo sido utilizados vários exames de última geração, tais como: PET, SPECT RM, ou Ressonância Magnética Funcional (fMRS).

O SPECT é uma tomografia computadorizada por emissão de fótons, exame de imagem que mostra como o sangue flui para tecidos e órgãos. Pode ser usado para ajudar a diagnosticar convulsões, derrame, fraturas por estresse, infecções e tumores na coluna vertebral.

A PET consiste numa tomografia por emissão de pósitrons, exame de imagem que permite ao médico verificar se há doenças no corpo. Uma espécie de scanner que usa um corante especial contendo traçadores radioativos. Esses traçadores são engolidos, inalados ou injetados em uma veia do braço, dependendo da parte do corpo que está sendo examinada. Certos órgãos e tecidos absorvem o traçador. Quando detectados pelo scanner de PET, os marcadores ajudam o médico a ver o desempenho dos seus órgãos e tecidos.

MRS (ou RM) é a conhecida ressonância magnética (MRI), técnica de imagem médica usada em radiologia para formar imagens da anatomia e dos processos fisiológicos do corpo, tanto na saúde, quanto na doença. Os scanners de ressonância magnética usam fortes campos magnéticos, gradientes de campo magnético e ondas de rádio para gerar imagens dos órgãos do corpo.

A Ressonância Magnética Funcional (fMRI) consiste em uma técnica específica do uso da imagem por ressonância magnética que é capaz de detectar variações no fluxo sanguíneo em resposta à atividade neural. A fMRI tem sido amplamente utilizada em projetos de pesquisa e bem menos em aplicações clínicas. Em muitos casos ela é associada a outros métodos não invasivos, tais como eletroencefalografia (EEG). A fMRI tem dominado o cenário do mapeamento cerebral em parte devido ao fato de não utilizar radiação ionizante ou contraste exógeno.

Estes têm sido os exames mais utilizados pelos pesquisadores em psicopatia, sendo que a PET mede o metabolismo da glicose; a tomografia computadorizada de emissão de fóton único, o SPECT, avalia o fluxo sanguíneo e espectroscopia; e a ressonância magnética RM avalia a densidade neural. Ainda, segundo a literatura mais atualizada, as recentes pesquisas passaram a utilizar de forma crescente a chamada ressonância magnética anatônica (aMRI), que indexa volumes globais / regionais, forma ou espessura cortical, bem como imagem de tensor de difusão (DTI), que indexa a integridade microestrutural dos tratos de fibra da substância branca; e ressonância magnética funcional (fMRI) para medir o fluxo sanguíneo durante um procedimento de tarefa ou em repouso (YANG; RAINE apud 2018, p. 380-400).

Todas as pesquisas convergem no sentido de apurar que a base neuroanatômica dos psicopatas (e dos antissociais) apresentam anormalidades em várias regiões cerebrais consideradas “chave”. As descobertas apontam para anormalidades no córtex pré-frontal, no córtex temporal, no complexo amígdala-hipocampo, no estriado e no corpo caloso no cérebro da maioria dos indivíduos psicopatas e antissociais. Nos psicopatas, o conjunto das pesquisas:


Indica disfunção frontal específica de tarefa, com ativação frontal potencialmente maior requerida para tarefas relacionadas ao afeto (potencialmente para compensar déficits emocionais) e ativação menos frontal para tarefa relacionada à recompensa (potencialmente como função do comportamento de recompensa-dominante elevado) (YANG; RAINE apud 2018, p. 380-400).


As pesquisas mostraram, por exemplo, redução de 11% no volume da massa cinzenta no córtex pré-frontal em indivíduos psicopatas; reduções de volume no córtex orbitofrontal e no giro reto em um grupo de indivíduos com alta psicopatia, particularmente, aqueles com condenações penais prévias, em comparação com controles saudáveis; anormalidades volumétricas, espessura cortical anormal no córtex frontal em indivíduos antissociais e psicopatas; adelgaçamento anormal em várias regiões frontais e temporais, incluindo o córtex pré-frontal frontal direito e ventromedial em indivíduos psicopatas; a redução da espessura cortical no córtex orbitofrontal, relacionada ao aumento da permanência da resposta em indivíduos psicopatas; estudos avaliando a conectividade de rede têm caracterizado padrões de conectividade anormais ou distintos no córtex frontal em indivíduos antissociais e psicopatas; metabolismo de glicose reduzido. Como discutido anteriormente, usando SPECT, alguns pesquisadores descobriram que infratores psicopatas apresentaram aumento do fluxo sanguíneo bilateral em regiões frontotemporais durante o processamento de palavras emocionais. Vários estudos revelaram função e estrutura anormais no complexo amigdala hipocampal em indivíduos psicopatas, associação entre personalidade psicopática e anormalidades estruturais do sistema calosal, ou seja, volumes calosos maiores foram associados a déficits afetivo e interpessoal, baixa reatividade autonômica ao estresse e baixa capacidade espacial.

Ainda assim, em que pese a diversidade de linhas científicas, ou a corrente adotada, é inegável que a origem do problema ainda não tem definição acabada, ou seja, pode ser originado em soma de fatores biológicos, genéticos, cerebrais e sociais, tal qual afirmado por Hare.


4.5 PSICOPATIA EM MULHERES


Alguns autores mencionam que os psicopatas representariam entre 2,5% a 3% da população, outros mencionam um percentual mais elevado de até 4%, mas todos são convergentes no sentido de afirmar que a maioria dos psicopatas são do sexo masculino, numa proporção superior a 90%, ou seja, numa base de 4%, 3% seriam psicopatas do sexo masculino e 1% seriam do sexo feminino.

Em sendo assim, a maioria dos estudos da psicopatia é realizada em homens, incluindo os experimentos mais reconhecidos, como é o caso da Checklist de Hare, pelo justo motivo de haver uma maior incidência de psicopatia no sexo masculino. Todavia, tanto Cleckley (1982), quanto o próprio Hare, jamais apontaram qualquer diferença de gênero no constructo da psicopatia.

Algumas diferenças são notadas, todavia, quanto às manifestações, visto que em mulheres ficam mais evidentes os traços de manipulação e impulsividade, por exemplo. Igualmente, estudos revelam que há maior incidência de práticas violentas por mulheres em ambientes domésticos. E, ainda, que em mulheres seria mais frequente a integração dos traços de psicopatia com o Transtorno de Personalidade Borderline (VERONA; VITALE apud PATRICK, 2018, p. 509-528). Todavia, os mesmos autores afirmam que as bases de estudo da psicopatia em mulheres ainda são insuficientes, sendo necessário que se desenvolva mais teoria a respeito, testes próprios e maior refinamento do tema, apurando informações a partir das diferenças naturais de gênero, sejam biológicas, de temperamento, ou sociais.


4.6 PSICOPATAS INTEGRADOS – BEM-SUCEDIDOS


O estudo dos chamados “psicopatas integrados” deriva de uma das classificações antes referidas, quais sejam, psicopatas bem-sucedidos e psicopatas malsucedidos, também é baseado no trabalho de Cleckley (1982). Este afirmava que o distúrbio de personalidade poderia apresentar vários graus que deveriam, inclusive, ser objeto de futura discussão científica, deixando um imenso campo para os pesquisadores. Cleckley (1982) entendia que a diferença entre os psicopatas “malsucedidos” (ou seja, aqueles que constantemente estão às voltas com a lei) e os “bem-sucedidos”, residiria no fato de que os últimos mantêm uma aparência externa de normalidade muito melhor e mais consistente, o que lhes permite, inclusive, evoluírem profissionalmente (Cleckley, 1982, p. 102).

O referido cientista enfatizava que mesmo o mais severo psicopata apresenta uma aparência técnica de normalidade, detendo muitas vezes capacidades intelectuais apreciáveis e elevadas e, não raro, obtendo sucesso em atividades de negócios e profissionais durante algum tempo, ou mesmo durante toda a sua vida. Identificou no seu trabalho, por exemplo, um homem de negócios, um cientista, um médico, um psiquiatra, ou seja, pessoas cujo nível de inserção social é de aparente normalidade o que não permitiria concluir que possuíssem qualquer defeito de personalidade, evoluindo pessoal e profissionalmente, pelo menos, em vários aspectos de sua vida.

Reconhecidamente, esses indivíduos “bem-sucedidos” não teriam a mesma amostragem de estudos e pesquisas, pelo justo motivo de que não seriam facilmente identificáveis. O trabalho pioneiro neste sentido surge com Raine (2013) que, insatisfeito com resultado de pesquisas realizadas somente em sujeitos encarcerados, parte para o recrutamento de indivíduos que prestavam serviço em agências de serviço temporário. Partindo da linha de pensamento de que os psicopatas são instáveis em suas relações de trabalho, impulsivos, não fazem planejamento profissional regular, manipuladores, rasos, irresponsáveis e sem qualquer preocupação com o outro, Raine (2013) presumiu que poderia fazer um estudo por amostragem em agências de trabalho temporário. Ou seja, o risco de serem revelados na sua verdadeira personalidade em um trabalho de natureza temporária é bem menor, do ponto de vista dos psicopatas. O cientista estava certo. Iniciou o estudo utilizando a Escala Hare, criando uma subdivisão entre os “bem-sucedidos” e os “malsucedidos”, bem como, considerando o histórico de vida dos sujeitos objeto de estudo. O trabalho pioneiro de Raine (2013) nesta classificação foi determinante para o aprofundamento do tema.

Os psicopatas “bem-sucedidos”, ou integrados, ao contrário daqueles “malsucedidos”, podem quebrar regras, todavia, em geral, não possuem histórico de problemas legais, ou aparentemente antissociais.

Hare (2013, p. 123-124) prefere adotar a expressão “psicopatas subcriminosos” a “bem- sucedidos”, afirmando que seu sucesso é sempre ilusório e surge à custa de alguém, bem como sua conduta, “embora não ilegal tecnicamente, em geral viola padrões éticos convencionais; eles sempre circulam à sombra da lei. Ainda, segundo o estudioso canadense:


Eles parecem funcionar razoavelmente bem, são advogados, médicos, psiquiatras, acadêmicos, mercenários, policiais, líderes religiosos, militares, empresários, escritores, artistas, etc., e não infringem a lei ou, pelo menos, não são descobertos nem condenados. Esses indivíduos são tão egocêntricos, frios e manipuladores, quanto o psicopata criminoso típico; porém, sua inteligência, formação familiar, habilidades sociais e circunstâncias de vida permitem que construam uma fachada de normalidade e que consigam o que querem com relativa impunidade.


Estudo realizado por Benning, Venables e Hall (apud PATRICK, 2018, p. 585-607) traz à cena algumas classificações ou subclassificações, ou seja, aqueles nominados “psicopatas bem-sucedidos” estariam subdivididos em um subconjunto, posto que alguns indivíduos possuem as mesmas características de personalidade “centrais” observadas em indivíduos que estariam institucionalizados com psicopatia em prisões ou hospitais psiquiátricos (por exemplo, charme superficial, egocentrismo e sem culpa) mas que, ainda assim, tais características não se manifestaram de modo a resultarem em prisões ou condenações frequentes; enquanto outros, apresentariam certos traços psicopáticos (por exemplo, charme, ousadia, falta de medo, alto grau de manipulação) mas, no entanto, podem servir como pessoas ativas e valiosas em certas profissões, incluindo direito, política, negócios, medicina.

Os autores acima referidos entendem que a pesquisa sobre psicopatia não-criminosa (“bem-sucedidos”) pode ajudar na abordagem de questões fundamentais sobre a natureza da psicopatia como um fenômeno clínico, inclusive passível de tratamento, conforme o grau de sua manifestação.

Consideram, ainda, que aqueles indivíduos não criminosos, mas que são psicopatas, são de interesse, porque muitos de seus comportamentos, ainda que não sejam tecnicamente ilegais, representam violações significativas das normas sociais e dos direitos dos outros, exemplo bastante relevante pode ser visto nas incontáveis ações judiciais que buscam indenizações por assédio moral praticado por superiores hierárquicos nas relações de trabalho. Assim, os “bem-sucedidos”, ou integrados, podem obter sucesso pessoal ou profissional às custas da família, amigos e colegas de trabalho, deixando um rastro de relacionamentos quebrados e efeitos psicológicos de custosa recuperação (dano emocional e psicológico, dano financeiro e profissional, dano físico e sexual, dano de longo prazo (perda de referência de autoestima, dissonância cognitiva) (BROWN, 2018, p. 274-291).

A subdivisão proposta na classificação dos psicopatas “bem-sucedidos” indicada por Benning, Venables e Hall (apud PATRICK, 2018, p. 585-607), sinteticamente, apresenta-se como segue:


Psicopatia subclínica - consistiria numa variação parcial do constructo da psicopatia que se apresenta em indivíduos psicopatas relativamente bem-sucedidos, mas que exibem expressões de irresponsabilidade, mau planejamento e imoderação ou intemperança. Nos modelos de Cleckley (1982), por exemplo, os indivíduos assim classificados não tinham tendências exploradoras ou antissociais, mas apresentavam tendências de prejudicar-se mais do que aos outros, e que tais condições representariam uma capacidade adaptativa desses indivíduos, notadamente de planejamento e obediência, estando sob controle as demais características patológicas mais primárias.


Psicopatia Moderada - nesta visão, a diferença entre os “malsucedidos” e os “bem-sucedidos” residiria na existência do que os pesquisadores chamam de fatores moderadores, que moldam o comportamento do indivíduo com a disposição patológica subjacente. Neste caso, por exemplo, a expressão antissocial grosseira de uma base psicopática central pode ser minimizada ou até mesmo desviada por fatores compensatórios como: idade, inteligência, talento excepcional, socialização altamente eficaz ou atributos fisiológicos que limitam a expressão de exteriorização patológica. Assim, indivíduos brilhantes ou bem-disciplinados e adaptados, podem reconhecer e evitar o comportamento antissocial grave, mas ao invés disso, acabam canalizando suas tendências psicopáticas por meios socialmente validados como negócios, música, política, medicina, direito, esporte, entre outros.


Psicopatia de Multiprocesso – essa classificação toma por base o fato de que o constructo da psicopatia não seria fechado e unitário, senão seria constituído de vários processos subjacentes que, uma vez integrados, fariam aparecer as características do distúrbio “A interseção desses processos cria um traço composto” (Smith, Fischer & Fister, 2003) que é maior em seus efeitos como um todo do que a soma de suas partes (Lilienfeld; Patrick et al., 2012; BENNING; VENABLES; HALL apud PATRICK, 2018, p. 585-607). No caso, a mistura relativa dos processos que sustentam a base da psicopatia seria a influência determinante se um indivíduo psicopata é mais ou menos bem-sucedido na vida.

Mas qualquer que seja a classificação, o que caracteriza marcadamente o psicopata é a regularidade da imagem exterior de normalidade. Não há no seu comportamento aparente nenhuma pista de sua complexidade interior. Estariam neste contexto aquelas profissões bastante proeminentes nas comunidades: médicos, advogados, empresários, políticos, artistas, entre outras.

Garrido (2011), faz referência a muitos nomes de sucesso que, uma vez analisados em seu históricos e características, poderiam ser identificados dentre os PSICOPATAS BEM-SUCEDIDOS, ou PSICOPATAS INTEGRADOS. Utilizando a expressão do próprio Garrido (2011), seguem duas referências ligadas ao mundo da arte que, por seu alto significado, podem bem exemplificar estruturas psicopáticas BEM SUCEDIDAS (GARRIDO, 2011, p. 153-155):


Andy Wharol – O líder da chamada “sensibilidade da década prodigiosa” que teve início em 1960 foi, sem dúvida, Andy Wharol(1928-1987). Revelou-se como artista com suas criações coloridas e irônicas que criticavam a sociedade de consumo. A pintura da lata de sopa Campbell’s transformou-se em um ícone da “pop art”, assim como, os retratos de estrelas de cinema, da música e de outras artes, como o que dedicou a Marilyn Monroe. “Em um texto escrito por ele, descreveu seu caráter psicopático. Nos filmes eróticos que dirigia, divertia-se vendo como as pessoas se denegriam e se humilhavam, sendo testemunha do processo de destruição dos que estavam sob suas ordens. Uma das vítimas de sua capacidade sedutora, permitia que ele a escutasse, enquanto sob influência de drogas, realizava atos obscenos. Outra mulher simulava que era sua irmã gêmea e, quando Wharol cansou-se dela, desapareceu no mundo das drogas”.Wharol era divertido, encantador, inteligente e vaidoso. Atraiu todos os excêntricos e desejosos de sensações fortes, de Nova York à Califórnia. Necessitava deles para sustentar sua criatividade e seu negócio. Não que o preocupava abandonar as pessoas que havia seduzido com suas habilidades e com sua fama. Mas não teve problemas em admitir sua conduta imoral:”Não me vejo como alguém perverso...apenas alguém realista”. Uma de suas companhias femininas deu-lhe um tiro com uma arma, mas ele se recuperou do incidente e não mudou sua vida em absoluto”.


Picasso – ‘Picasso é um dos gênios do século XX. Quem pode discutir tal afirmação? M as também é um exemplo de que a virtude artística pode existir oposta à virtude moral....Picasso é um artista com letras maísculas, um pintor extraordinário. Mas sua vida apresenta aspectos tão limítrofes com a psicopatia que não podemos deixar de ressaltá-los aqui. Já foi muito discutida a relação entre a arte, o gênio, a crueldade ou a violência, assim como a extravagância. É uma discussão inacabável, que oferece resultados pouco concludentes. Sabemos que o homem criativo tem de ser capaz de transgredir, mas de maneira alguma isso significa que tenha que maltratar os outros, especialmente se existe sadismo. Um indivíduo é capaz de entender o despotismo, um caráter ...volúvel, um temperamento irritável, uma vida solitária ou cheia de gente que pede favores...mas custa-lhe compreender que o gênio precise do inferno.

Howard Gardner, o psicólogo que estuda com o maior brilhantismo diversas facetas da criatividade e no homem contemporâneo, dedicou um capítulo inteiro de um de seus livros a Picasso. Ali, Howard delineia uma relação entre a arte e a vida pessoal do pintor:


A relação entre o caos existente na vida pessoal de Picasso e sua continuada fecundidade artística merece comentário. Pode-se observar na vida de Picasso não só uma sucessão contínua de novas casas, amantes e filhos, como o fluir constante de novos estilos e obras definidoras(..). Mesmo que se resista a perceber uma relação exata entre a sua vida pessoal e a artística, pode-se afirmar que Picasso prosperou, em certo sentido, a partir de uma vida semeada de complicações e de descontinuidades.

Segundo Gardner, Picasso colocou o egocentrismo e a crueldade como eixos da sua relação com os outros. Sempre estava rodeado de pessoas que o adulavam e mostravam-se dispostas a servi-lo, “mesmo quando ele se reservava o direito de lhes tratar do jeito que quisesse, de colocá-las umas contra as outras sem nenhuma piedade, de despedí-las ou afastá-las de si conforme o seu desejo. Era sádico e poderia maltratar fisicamente os que lhe amavam. O sadismo não é um traço especialmente aconselhável, como tivemos a oportunidade de comentar neste capítulo, mas em Picasso temos que acrescentar outra qualidade negativa: a seu lado, as mulheres “tinham um destino amargo”: a loucura ou a morte. Sua primeira mulher, Olga, ficou louca e morreu em 1955. Sua amante, Marie Thérèse, enforcou-se em 1977; outra amante, Dora Marr, sofreu uma crise nervosa. Seu neto cometeu suicídio bebendo água sanitária quando não lhe permitiram assistir o funeral do avô. Sua segunda mulher, Jacqueline, matou-se com um rito depois de preparar uma exposição de obras dele. As relações com seus amigos ou conhecidos do sexo masculino não foram melhores. Picasso fingiu não conhecer Apollinaire(um promotor de sua obra) quando este foi acusado sem fundamentos de um crime. Tampouco ajudou o escritor Max Jacob, seu conhecido durante 40 anos, quando este foi detido e enviado a um campo de concentração. Seduzia as amantes e mulheres de seus amigos sem nenhum recato. Participou de várias intrigas para acabar com o prestígio profissional de outro pintor extraordinário, Juan Gris. Quando seu marchand Hahnweiler perdeu todo o dinheiro na Guerra de 1914, Picasso simplesmente o deixou de lado. A manipulação e o uso das pessoas como meios para conseguir determinados fins, também aparece na vida de Picasso. Seu amigo Sabartés disse: “Picasso escolhe amigos como escolhe as cores quando pinta um quadro, cada um no seu devido momento e para um objetivo concreto”. No entanto, a análise que Gardner realiza de Picasso encontra algumas relações desviantes das de exploração humana, o que situa esse artista não como um psicopata perfeito, mas como alguém que soube fazer da pintura um ofício extraordinário, enquanto destruía ou prejudicava gravemente a vida de muitas pessoas.


4.7 BEM-SUCEDIDOS DE COLARINHO BRANCO


Não se poderia falar em PSICOPATAS BEM-SUCEDIDOS, ou INTEGRADOS, sem mencionar aqueles que praticam os chamados “crimes de colarinho branco” (HARE, 2013, p. 113-132) dedica especial atenção a este perfil de psicopata, visto que os efeitos de suas práticas, em regra, atingem esferas bastante amplas:


Certas classes de pessoas provavelmente são confiáveis por causa de suas credenciais sociais ou profissionais. Advogados, médicos, professores, políticos, consultores, policiais etc., por exemplo, geralmente não precisam se empenhar para conquistar nossa confiança: parecem confiáveis em virtude de sua posição profissional.


São inúmeros e rumorosos os casos de crime de colarinho branco, os quais estão associados ao conceito de corrupção e que, via de regra, quando praticados, seus efeitos atingem uma ou mais de uma coletividade.

A ONG Transparência Internacional faz um amplo e interessante conceito de corrupção que pode ser aproveitado para o presente estudo:


Em termos gerais, a corrupção é o abuso de poder confiado a alguém para obtenção de ganho privado. Pode ser classificada como grande corrupção, pequena corrupção e aquelas de natureza política ou privada (também conhecida como "corrupção comercial") a depender do volume de recursos apropriados indevidamente e do setor em que ocorre. A grande corrupção corresponde a atos ilícitos praticados pelo alto escalão de governos, que distorcem políticas públicas e o funcionamento dos estados, permitindo que líderes se beneficiem a despeito do interesse público, e também por empresários e executivos de grandes empresas privadas, com prejuízos para a eficiência da economia e ampliação das desigualdades sociais. A pequena corrupção se refere ao abuso cotidiano cometido por servidores públicos locais de baixo e médio escalão em suas interações com pessoas comuns. Neste caso, muito frequentemente esses cidadãos tentam acessar bens e serviços públicos como hospitais, escolas, delegacias de polícia e outras agências, mas só o conseguem mediante pagamento de determinada quantia a um funcionário público.A corrupção política se revela na manipulação de políticas públicas, interferência nas instituições e mudanças de regras na alocação de recursos e em linhas de financiamento por parte de autoridades, que abusam de sua posição para ganhar poder, status e dinheiro. A corrupção privada ou comercial é aquela que não envolve o Poder Público, mas entes privados apenas. Ocorre, por exemplo, quando um funcionário do setor de compras de uma empresa privada recebe suborno para favorecer algum fornecedor também privado. Normalmente, ocorre sem o conhecimento dos superiores hierárquicos e pode resultar em grandes prejuízos às empresas, aos seus sócios controladores e minoritários, além de gerar distorções ao próprio funcionamento do mercado. Apesar disto, ela ainda não é tipificada como crime em alguns países, entre eles (até o momento da redação deste texto em maio de 2018) o Brasil.


Oliveira (2012, p. 163) em artigo desenvolvido sobre o tema, cita a obra de Friedrichs, que assim tipifica critérios que incluem os crimes de colarinho branco:


1. Corporate Crime: os atos ilegais e lesivos cometidos por diretores e funcionários de empresas para promover a empresa.(...)

2. Occupational Crime: atividade – ilegal ou prejudicial – financeiramente orientada cometida no contexto de uma profissão legítima e respeitável;

3. Governamental Crime: envolve a gama de atividades em que os agentes do Estado se servem para cometer delitos (poder político);

4. State-corporate Crime, Crimes of Globalization e High Finance Crime: são crimes que envolvem uma combinação entre governo, empresas, instituições financeiras internacionais;

5. Enterprise Crime, Contrepreneurial Crime, Technocrime e Avocational Crime: trata-se de uma espécie residual dos crimes de colarinho branco, somam uma variedade de diversas atividades ilegais, que incluem formas mais marginais do crime de colarinho branco.


É certo afirmar, tanto quanto foi afirmado em relação à comparação entre os indivíduos antissociais e os psicopatas, que nem todos aqueles que praticam crime de corrupção, ou do colarinho branco, são psicopatas. Entretanto, considerando o perfil destes mesmos indivíduos, é possível concluir pela existência de um grande número de psicopatas dentre seus praticantes, ou ainda, indivíduos com significativos traços de psicopatia. É que a natureza do crime assim o admite.

Interessante e recente estudo sobre o perfil dos criminosos do colarinho branco foi feito por Eaton e Korach (2016, p. 129-142) no qual os mesmos identificam algumas das características daqueles criminosos, focando principalmente em quatro traços dominantes:


a) autoridade (ou super valoração da própria autoridade) – não é um fator determinante mas, estatisticamente, está associado à possibilidade de uso do poder como elemento deflagrador, ou mesmo como acobertador da prática;

b) hedonismo cultural – a cultura do materialismo e estilo de vida consumista, bem como remuneração por resultado e estímulo à competição como fator de estimulação à prática dos crimes;

c) tendências de personalidade narcisista– segundo os autores, o American Psychiatric Press Review de Psiquiatria identifica a concepção do Transtorno Narcisista como aquele que inclui características como demandas e ilusões de grandeza, exibicionismo, necessidade desesperada de admiração acrítica, possui direito, uma falta de compromisso sustentado com os outros e uma capacidade deficiente de empatia, entre outras características não menos relevantes;

d) baixo autocontrole – quanto mais baixo o autocontrole, segundo os autores, maior a possibilidade da prática criminosa que, de sua vez, está associada à falta de controle dos impulsos, busca de excitação e satisfação imediata e alto grau de gratificação.


A relação destas quatro características, não por acaso, coincide com algumas das características marcantes dos psicopatas, quais sejam, impulsividade, baixo controle de comportamento, necessidade de excitação, eloquência e superficialidade, falta de empatia, manipulação, dominação.

De sua vez, aqueles psicopatas que praticam os chamados crimes do colarinho branco estão, com efeito, bastante relacionados ao conceito de psicopatas integrados ou psicopatas bem-sucedidos – considerando aqui que são bem-sucedidos até que sejam efetivamente desmascarados e punidos.

A dificuldade de compreensão da gravidade de seus atos reside, sobretudo, na minimização que a própria sociedade atribui às práticas, entendidas como “momentos de fraqueza” de homens que estão regularmente inseridos nos respectivos âmbitos sociais.

Estudo feito em Portugal, por exemplo, aponta que 92,6% dos criminosos de colarinho branco naquele país não possuem antecedentes criminais – percentual que deve ser aproximado em outros países. Logo, a aparente normalidade e o histórico que muitos dos psicopatas “bem-sucedidos” e, portanto, “integrados” apresentam, somados à capacidade de manipulação, faz com que muitos deles sejam beneficiados com minorantes na aplicação das penalidades, ou sequer sejam condenados (SOUSA; LIMA; TRIÃES apud ALMEIDA; PAULINO, 2013, p. 345-359). Uma vez livres, seguramente seguirão com suas práticas.


4.8 TRATAMENTOS – EXISTEM?


Cleckley (1982) afirmava e conclui não haver tratamento, ao tempo de suas pesquisas. Hare (2013, p. 207) também não é muito otimista quanto a isso, afirmando que:


Em primeiro lugar, apesar das centenas de tentativas de tratar esses indivíduos até da grande variedade de técnicas experimentadas, poucos programas atendiam a padrões científicos e metodológicos aceitáveis. Esse é um ponto importante, pois significa que os dados em que baseamos as nossas conclusões não são muito sólidos. Isso se aplica tanto a relatos comuns de que determinado programa não funcionou, quanto a relatos esporádicos de que alguma coisa não deu certo. A maior parte do que sabemos baseia-se principalmente no folclore clínico, em estudos de casos individuais, em procedimentos diagnósticos e metodológicos falhos e na avaliação inadequada de programas. Na verdade, a condição da literatura sobre tratamentos de psicopatia é pavorosa.


Recente compilação feita por Palaschek & Skeem (apud PATRICK, 2018, p. 710-731), indica alguns estudos em infratores psicopatas adultos, nos quais teria aparecido uma redução de recidiva. Segundo os mesmos, indivíduos com alto índice na mediação PCL-R que completaram menos de seis sessões de tratamento nas 10 semanas anteriores foram 3,5 vezes mais propensos a serem violentos nas 10 semanas seguintes do que aqueles que participaram de mais sessões O tratamento neste estudo foi “tratamento psiquiátrico” e a intervenção utilizada foi a psicoterapia combinada com medicação psicotrópica.

Mesmo indicando outros métodos e várias pesquisas, não há certeza de êxito, tendo havido, isto sim, sinais muito pouco significativos de baixa recidiva, porém em indivíduos antissociais.

Hare (2013, p. 208) é categórico ao afirmar, quanto aos psicopatas, que os tratamentos não surtiriam efeitos, pois seu comportamento é mal-adaptativo apenas para a sociedade e, não, para os próprios indivíduos. Afirma:


Ao pedirmos aos psicopatas que modifiquem seus comportamentos a fim de atender a nossas expectativas e normas, talvez estejamos pedindo que façam algo contra sua própria “natureza”. Eles podem fazer o que pedimos, mas apenas se isso for do interesse deles. Os programas destinados a fazer os psicopatas mudarem seu comportamento precisam levar isso em consideração, caso contrário, estarão fadados ao fracasso.


5 A PSICOPATIA NO BRASIL


Em que pese o tremendo esforço realizado por determinados núcleos acadêmicos, os psicopatas somente comparecem à cena nacional quando algum fato jornalístico de grande repercussão é trazido às manchetes. Em geral o interesse cai no vazio, até o surgimento da próxima manchete.

Em síntese, no Brasil, o tema da psicopatia é enfrentado somente no âmbito dos psicopatas encarcerados, ou seja, no âmbito penal, com a limitação investigativa que os poucos recursos do poder público, cada vez mais escassos, naturalmente, levam a uma progressão científica.

A avaliação de uma estrutura de personalidade, sabidamente, depende de uma série de ferramentas que vão, desde as avaliações clínicas realizadas pelos profissionais habilitados, à aplicação de testes de medição, passando por exames neurobiológicos, conforme já referido.

Alguns casos rumorosos ocorridos no Brasil, considerando o histórico, crueldade e os efeitos, levam a crer que os seus praticantes apresentem várias, senão todas das características aqui estudadas: o caso do ginecologista Roger Abdelmassih; a mandante do assassinato cruel dos próprios pais, Suzane Von Richthofen; o caso do menino Bernardo Boldrini; o caso Nardoni; o medium João de Deus; a torrente de corrupção dos envolvidos no Mensalão, bem como os fios condutores da Operação Lava Jato, entre outros.

No âmbito das execuções penais, a Lei Nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (alterada em 2012 pela Lei 12.654), propõe em seu Art. 5º que “os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para individualização da execução penal”. Daí decorre um processo de avaliação que deverá ser realizado por uma Comissão Técnica de Classificação. Este processo de “classificação” implica, por exemplo, na realização de um exame de personalidade, de modo a aferir o grau de periculosidade e probabilidade recidiva.

Mais recentemente, no ano 2012, a referida lei foi alterada, tendo sido acrescido o Art. 9o-A, que dispõe que:


Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor.

Neste segmento, ou seja, no ambiente prisional, é uma Resolução do Conselho Federal de Psicologia, n. 012, do ano de 2011, que regulamenta e limita as atribuições do psicólogo sobre a elaboração de documentos produzidos com o propósito de subsidiar decisões judiciais:


Resolução do CFP n. 12/2011

Art. 4º. Em relação à elaboração de documentos escritos para subsidiar a decisão judicial na execução das penas e das medidas de segurança:

a) A produção de documentos escritos com a finalidade exposta no caput deste artigo não poderá ser realizada pela(o) psicóloga(o) que atua como profissional de referência para o acompanhamento da pessoa em cumprimento da pena ou medida de segurança, em quaisquer modalidades como atenção psicossocial, atenção à saúde integral, projetos de reintegração social, entre outros.

b) A partir da decisão judicial fundamentada que determina a elaboração do exame criminológico ou outros documentos escritos com a finalidade de instruir processo de execução penal, excetuadas as situações previstas na alínea 'a', caberá à(ao) psicóloga(o) somente realizar a perícia psicológica, a partir dos quesitos elaborados pelo demandante e dentro dos parâmetros técnico-científicos e éticos da profissão.

§ 1º. Na perícia psicológica realizada no contexto da execução penal ficam

vedadas a elaboração de prognóstico criminológico de reincidência, a aferição de periculosidade e o estabelecimento de nexo causal a partir do binômio delito- delinqüente.

§ 2º. Cabe à(ao) psicóloga(o) que atuará como perita(o) respeitar o direito ao contraditório da pessoa em cumprimento de pena ou medida de segurança.


Dentro destes limites e regras de avaliação, o único medidor de psicopatia disponibilizado e autorizado até o momento pelo Conselho Federal de Psicologia, é a Escala Hare( PCL-R), cuja utilização foi aprovada somente a partir de 2005. Ainda em estudos sobre efetiva aplicabilidade no Brasil está a Medida Interpessoal de Psicopatia (IM-P, de Kosson, 1997), que consiste numa avaliação que mede a relação do entrevistado e do entrevistador na aplicação da Escala Hare, ou seja, recomenda-se a ser utilizado quase que em complementariedade da PCL-R, como uma forma de confirmação do primeiro. Ainda assim, como referem algumas pesquisas nacionais, nem todos os operadores do sistema possuem acesso, ou têm formação adequada para aplicação dos testes mais recomendados e disponíveis (FERREIRA SOARES, 2016; salvador-silva, 2012; DAVOGLIO, 2011).

Também em tempo mais recente e no âmbito penal, sabe-se da tramitação, no Congresso Nacional, de vários projetos de lei que têm por objetivo a ampliação das penalidades para os chamados crimes hediondos. Não se tem notícias, todavia, que estejam respaldados por trabalhos científicos atualizados.

Conforme afirma Juliana Teixeira (apud GARRIDO, 2011, p. 263-278):


As referências brasileiras sobre o tema consistem em um reduzido número de estudos. Pelo que parece, não foram realizadas pesquisas que tivessem se aprofundado no assunto e que ilustrassem melhor a história e a evolução da psicopatia no país.


Segue a mesma:


A psicologia, no Brasil, apesar dos avanços recentes que tem alcançado como ciência e da sua credibilidade bastante consolidada, ainda não conseguiu assimilar o problema que a psicopatia engloba. E essa postura “despreocupada” faz com que levantemos certas questões relacionadas aos temas que estão sendo estudados e àqueles que, em algumas situações, ficam esquecidos por nós, psicólogos, responsáveis pelo bem-estar mental dos pacientes.


As obras existentes no Brasil sobre o tema ainda são poucas, embora o esforço e o excelente trabalho, por exemplo, de Kátia Mecler (2015), Ana Beariz Barbosa Silva (2014) e Ilana Casoy (2018), esta última fazendo uma recompilação histórica e um impecável trabalho jornalístico sobre os mais conhecidos psicopatas serial killers brasileiros.

Todavia, parafraseando a antes mencionada pesquisadora, Juliana Teixeira, o tema no Brasil é tratado com negligência, o que impede uma evolução que possa refletir, por exemplo, no tratamento diferenciado de situações que são distintas na sua etiologia, como é o caso da psicopatia.

Não foram encontrados estudos dos subtipos, ou da subclassificação, que ultrapassassem o ambiente carcerário, o que impede conhecimento e debate sobre os psicopatas integrados, cujas práticas sabidamente atingem a sociedade diariamente.

No Brasil, a desinformação e o desestímulo à pesquisa científica convergem para a afronta do princípio da igualdade que não admite que fatos ou pessoas colocadas em situações diferentes sejam tratadas de forma desigual. É o caso, por exemplo, do objeto deste estudo.


6 CONCLUSÃO


A revisão proposta pelo presente trabalho permitiu identificar, a partir da bibliografia consultada, que as recentes pesquisas evoluíram para além de entender a psicopatia como um constructo fechado. Os estudos sobre a Psicopatia, a partir das contribuições de Cleckley e Robert Hare, entre outros, passaram a alargar o conceito, assinalando influências biológicas (genéticas, hormonais, neuroanatômicas e em neurotransmissores) e ambientais, estudando o tema a partir da Psicologia dos Traços e dos Fatores (BARROSO). A partir disso, o constructo da psicopatia tem sido associado com outras comorbidades, até mesmo admitindo-se a possibilidade de compartilhamento de etiologias comuns com outros transtornos de personalidade. Daí serem relevantes as diversas classificações e subclassificações.

No entanto, alguns pesquisadores ainda não aceitam que estes traços sejam peremptoriamente utilizados em crianças e adolescentes, porquanto as pesquisas neste sentido não mostraram suficiente certeza de persistência de algumas características. Exemplifica-se com o caso do desvio de conduta que, surgido na infância, pode ser minimizado ou debelado na adolescência, ou vida adulta.

Todavia, ainda assim, para efeitos da presente conclusão, também é relevante entender que a identificação de traços permite melhor direcionar e modular os tratamentos terapêuticos.

A indefinição quanto à origem de surgimento da psicopatia, a partir dessa nova visão, parece ter ficado secundária em relação às pesquisas que tratam de examinar as diversas vertentes e possibilidades de inibição destes mesmos traços, isso tomando como base trabalhos terapêuticos, tanto diretamente com os indivíduos, quanto com aqueles que formam seu entorno de convívio.

O reverso desta conclusão diz com o perigoso aumento de aparecimento dos traços de psicopatia e sua persistência, no caso de ausência de fatores moderadores que vão, desde o fator educacional, quanto ambiental, uma vez que o desconhecimento e o descuido na precoce identificação das diversas características, pode fomentar e consolidar a estruturação do constructo objeto de estudo, tanto na sua forma mais severa, quanto dissimulada.

Instrumento admitido no Brasil pelo Conselho Federal de Psicologia, a Escala Hare poderia ser ampliada na sua aplicação, admitindo-se para além do âmbito do direito penal mas, igual modo, no âmbito do direito de família, bem como laboral. Aparelhada com outros instrumentos e manejada por profissionais bem treinados, seria de grande valia para a prevenção no trato com estruturas comprometidas com a falta de consciência.

Finalmente, é evidente que a importância do tema mereceria maior aprofundamento que, lamentavelmente, o modesto artigo não consegue alcançar.



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