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Foto do escritorAna Luiza Panyagua Etchalus

NOVA LEI: O DIREITO À MORADIA, À GUARDA DOS FILHOS E O DIREITO DE PROPRIEDADE FLUTUANTE

Atualizado: 17 de jan. de 2021

O governo Federal, em iniciativa recente, conseguiu aprovação pelo Congresso Nacional da Lei n. 14.118/21, instituindo o chamado Programa Casa Verde e Amarela, programa que tem por objetivo promover o direito à moradia de pessoas de baixa renda: em áreas urbanas renda não superior a R$ 7.000,00 e nas áreas rurais renda anual de até R$ 84.000,00.

A referida regra ainda dependerá de regulamentação específica para que seja posta em prática, mas já anuncia no cenário jurídico brasileiro algumas alterações significativas do ponto de vista do direito civil e que, seguramente, virão a gerar muitos questionamentos.

Nos seus Artigos 13 a 15, conforme adiante serão reproduzidos, a Lei n. 14.118/21 altera regras civis e registrais que repercutem diretamente no ambiente das famílias brasileiras. Alguns comentários serão feitos na sequência:


Art. 13. Os contratos e os registros efetivados no âmbito do Programa Casa Verde e Amarela serão formalizados, preferencialmente, em nome da mulher e, na hipótese de esta ser chefe de família, poderão ser firmados independentemente da outorga do cônjuge, afastada a aplicação do disposto nos arts. 1.647, 1.648 e 1.649 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

§ 1º O contrato firmado na forma prevista no caput deste artigo será registrado no cartório de registro de imóveis competente, sem a exigência de dados relativos ao cônjuge ou ao companheiro e ao regime de bens.

§ 2º O disposto neste artigo não se aplica aos contratos de financiamento firmados com recursos do FGTS.

Art. 14. Nas hipóteses de dissolução de união estável, separação ou divórcio, o título de propriedade do imóvel adquirido, construído ou regularizado pelo Programa Casa Verde e Amarela na constância do casamento ou da união estável será registrado em nome da mulher ou a ela transferido, independentemente do regime de bens aplicável, excetuadas as operações de financiamento habitacional firmadas com recursos do FGTS.

Parágrafo único. Na hipótese de haver filhos do casal e a guarda ser atribuída exclusivamente ao homem, o título da propriedade do imóvel construído ou adquirido será registrado em seu nome ou a ele transferido, revertida a titularidade em favor da mulher caso a guarda dos filhos seja a ela posteriormente atribuída.

Art. 15. Os prejuízos sofridos pelo cônjuge ou pelo companheiro em razão do disposto nos arts. 13 e 14 desta Lei serão resolvidos em perdas e danos.


COMENTÁRIO:

Há muito que os dados levantados, especialmente pelo IBGE[1] dão conta de que houve um grande aumento de famílias monoparentais no Brasil, especialmente chefiadas e mantidas por mulheres.

Este universo envolve, no mais das vezes, não somente o cuidado com crianças e adolescentes, mas também com deficientes e idosos, formando núcleos que concentram dupla ou tripla condição de vulnerabilidade.

Quiçá devido ao aumento populacional e ao aumento das ditas famílias monoparentais, o legislador tenha querido dar proteção a estes núcleos de vulnerabilidade, privilegiando e garantindo dignidade de moradia às chefes de família que buscam a manutenção de seu grupo sem a ajuda de companheiros que, por motivos múltiplos, afastam-se do lar comum deixando de contribuir com o sustento.

Como decorrência da nova regra há, portanto, uma relativização de aplicações de outras normas de ordem pública, especialmente, no caso o Código Civil Brasileiro, afetando em certa medida, tanto o regime de bens e o tema registral, criando uma espécie de “direito de preferência” ao título de propriedade em favor da mulher, como afetando o próprio princípio da igualdade fixado pelo Art. 5º, inciso I, da Constituição Federal.

A nova lei afasta expressamente, no caso, a aplicação dos Arts. 1.647, 1.648 e 1.649 do Código Civil Brasileiro.

Também de forma expressa, a nova lei comanda a isenção de exigência registral quanto a dados de cônjuge, ou companheiro, bem como afeta o regime de bens por ocasião de dissolução de união estável, separação ou divórcio, impondo que a propriedade seja transferida em favor da mulher e gerando, em relação ao outro cônjuge, compensação apenas pela via das perdas e danos.

A evolução destas novas regras, cuja aplicação ainda dependerá de regulamentação e que, segundo se extrai da lei, estaria limitada ao Programa Casa Verde e Amarelo, ainda, a meu modesto juízo, poderá gerar grandes debates.

É certo que o legislador ocupou-se de dar proteção legal às chefes de família, garantindo-lhes legalmente maior proteção à moradia, mas minha especial crítica, sem querer ser demasiado leviana e apressada, mas apenas expressando uma preocupação, reside no fato de que, para fins de garantir o direito de propriedade, ampliem-se as discussões relativas à guarda dos filhos, potencializando uma perversa disputa que pode transformar crianças e adolescentes em moeda de troca.

A principal intenção do legislador é garantir moradia às famílias de baixa renda, protegendo especialmente as mulheres chefes de famílias e seus respectivos núcleos familiares, sendo de grande louvor a iniciativa. Todavia, ao relativizar o direito de propriedade, transformando-o em um direito flutuante atrelado à guarda dos filhos, o legislador pode potencializar conflitos familiares e distorções antes impensadas. Esperemos que a regulamentação da nova lei reexamine este importante aspecto.

Janeiro 2021

Ana Luiza Panyagua Etchalus - Advogada

[1] https://www.gov.br/cidadania/pt-br/noticias-e-conteudos/desenvolvimento-social/noticias-desenvolvimento-social/auxilio-emergencial-chega-a-6-milhoes-de-mulheres-chefes-de-familia-do-bolsa-familia

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