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  • Foto do escritorAna Luiza Panyagua Etchalus

DIREITO COLABORATIVO? PRÁTICAS COLABORATIVAS? PROCESSO COLABORATIVO?

Atualizado: 15 de mar.


Com o avanço do mundo virtual, passou-se a utilizar muito a palavra “colaborativo”, especialmente ligada ao universo das start ups e da associação de múltiplos interesses econômicos, ocasionando uma miscelânea de aplicações e concepções para o que, enfim, poderia ser entendido e reconhecido como “colaborativo”.[1]

Colaborar[2] pode ser entendido como trabalhar junto, ajudar a realizar; cooperar...”, como também pode ser entendido como sinônimo de “concorrer, cooperar, coadjuvar”[3]

A colaboração, como sinônimo de cooperação, pode ser entendida como um valor, valor este que implica uma compreensão e um compartilhamento.

Gosto muito de indagar sobre os porquês, me atrevendo a trazer à cena de minha reflexão o dizer de Lévy[4] que, ao tratar da grande explosão demográfica que povou a terra no último século, a chamada “bomba demográfica”, menciona que, para a humanidade, restam duas opções, quais sejam: “uma delas é a guerra, o extermínio do dilúvio atômico, não importando qual seja a sua forma, com o desprezo que isto implica em relação às pessoas. Nesse caso, a vida humana perde seu valor. O humano é reduzido ao nível das bestas ou das formigas, esfomeado, aterrorizado, explorado, deportado, massacrado.

Ainda, segundo o referido autor, a outra hipótese seria “a exaltação do indivíduo, o humano considerado como o maior valor, recurso maravilhoso e sem preço. Para valorizar o valor, faremos um grande esforço a fim de tecer incansavelmente relações entre idades, os sexos, as nações e as culturas, apesar das dificuldades e dos conflitos. A segunda solução, simbolizada pelas telecomunicações, implica o reconhecimento do outro, a aceitação e ajuda mútuas, a cooperação, a associação, a negociação, para além diferenças de pontos de vista e de interesses..”

A reflexão permite, em última análise, entender que a cooperação, a colaboração, a negociação, a aproximação, a ajuda mútua, antes convertem-se, portanto, em estratégia de preservação da espécie. Colabora-se mais, preserva-se mais.

Passemos ao mundo da Resolução de Conflitos. Quando adentramos neste ambiente, cujas bases jurídicas são ainda novas, especialmente na autocomposição, encontramos algumas metodologias que possuem na sua essência a colaboração e a cooperação para que possam atingir os resultados, como é o caso da mediação, da conciliação e do processo colaborativo.

E quando falamos em autocomposição, naturalmente chegamos ao acordo como resultado final, como resultado do acerto de vontades, da convergência.

Acordo, do ponto de vista jurídico, tem a natureza de uma transação que, de sua vez, para que ocorra e produza efeitos, supõe concessões recíprocas e repartição de resultados, positivos e negativos. Para que isso ocorra, portanto, haverá a presença da cooperação e da colaboração, princípios que servirão de base para transformar os interesses opostos em convergentes.

É possível concluir, portanto, que não se pode alcançar os objetivos da autocomposição como forma de resolução de conflitos, ou seja, não se pode alcançar o acordo, se não estiverem presentes os princípios da colaboração e da cooperação.

Avancemos agora para a colaboração ingressando especificamente no chamado direito colaborativo, ou collaborative law.

Collaborative Law, traduzido ao português em sentido literal, pode ser entendido como “lei colaborativa”. A lei colaborativa aqui referida está ligada à Lei Uniforme Colaborativa ( Uniform Law Collaborative Act) dos Estados Unidos, do ano de 2009, que passou a definir e regular uma metodologia de resolução de conflitos negociada e consensual, hoje integrada aos MASC’s , ou Meios Alternativos de Soluções de Conflitos, que afasta as partes e advogados dos tribunais.

Segundo definição da própria lei, a metodologia regulada consiste em uma resolução alternativa de disputas baseada num processo contratual, confidencial e voluntariamente construído pelas partes que buscam negociar uma resolução consensual de conflito, sem ter de recorrer a uma decisão imposta por um tribunal ou árbitro. A característica distintiva da metodologia, em comparação com outras formas de resolução alternativa de litígios, como a mediação, é que as partes são representadas por advogados durante as negociações, sem a figura de um terceiro neutro. De sua vez, os advogados estão comprometidos a atuarem apenas na negociação de acordos, não representando os clientes em caso de litígio.

A prática da collaborative law, a partir da edição da lei, passou a ser tratada como collaborative law practice, ou seja, a prática da metodologia que estaria abrangida pela lei.

Nos Estados Unidos e Canadá, tanto o IACP[5] (International Academy Of Collaborative Profesionals), quanto o GCLC[6] (Global Collaborative Law Council), são entidades que têm entre seus objetivos impulsionar e promover a prática da metodologia entre diversos profissionais, além de expandir o conceito da própria lei para outros países.

No Brasil, a mesma metodologia foi encampada pelo IBPC[7] – Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas, organização afiliada ao IACP e que desenvolve treinamentos nos critérios do IACP, utilizando a definição de “Práticas Colaborativas”.

Mas o conceito trazido pelo IBPC sempre esteve intimamente ligado ao direito de família e ao conceito de interdisciplinariedade, ou seja, à intervenção simultânea de um grupo de profissionais de expertises distintas, aptos a trabalharem com a resolução de conflitos familiares, notadamente profissionais da saúde mental, ou de expertise financeira, além dos advogados.

No entanto, em que pese a qualidade dos profissionais formados em Práticas Colaborativas, este método não conseguiu alcançar a popularidade necessária para criar no Brasil a cultura da colaboração, especialmente porque a metodologia proposta implica em custos mais elevados em uma realidade sócio econômica cada vez mais debilitada. Práticas Colaborativas, portanto, acabou não se popularizando e sendo utilizada num ambiente mais elitizado.

Mas “collaborative law” também passou a ser traduzido e entendido como “direito colaborativo”, o que começou a gerar algumas inquietudes e incompreensões, já que passamos a conviver neste ambiente com várias nomenclaturas: práticas colaborativas, direito colaborativo, processo colaborativo...

Considerando, como se viu, que a colaboração e a cooperação, sejam tratadas como valores humanos, ou princípios jurídicos, são base para várias metodologias autocompositivas, e não somente a metodologia específica abarcada pela collaborative law, entendi em desenhar algumas conceituações.

Assim sendo, entendo inicialmente que se pode conceituar o Direito Colaborativo em um sentido amplo, lato sensu, e também strictu sensu, como segue:

a) Direito Colaborativo lato sensu – como o ramo do direito que abrange todas as metodologias e/ou práticas de resolução de conflitos que possuam a colaboração e a cooperação como princípios, que atendam direitos e interesses das partes e que tenham como objetivo, direto ou indireto, a busca de soluções consensuais.

b) De outro lado, o direito colaborativo strictu sensu, e que também pode ser chamado de processo colaborativo, pode ser entendido como a prática da metodologia regulada pela UCLA “Uniform collaborative law act” norte-americana.

Se pode entender que processo colaborativo e práticas colaborativas são metodologias similares, mas que conceitualmente se diferenciam em relação aos profissionais envolvidos sendo as chamadas “práticas colaborativas” direcionadas para o direito de família e condicionada à existência de uma coletividade de profissionais e o direito colaborativo (stritu senso) direcionado para o direito civil, trabalhista, mercantil, onde advogados e seus clientes estruturam a negociação

Uma nota importante na definição e no conceito da metodologia, é seu caráter contratual, ou seja, o processo colaborativo strictu sensu somente é possível, com a segurança que as partes e advogados necessitam, se for objeto de um contrato escrito, o chamado Acordo de Participação em Processo Colaborativo, onde partes e advogados construirão o seu próprio processo colaborativo.

c) O Direito colaborativo , além de ser uma metodologia de natureza contratual, deve conter na sua essência os princípios da confidencialidade, voluntariedade, decisão informada, abertura de informações relevantes e a cláusula de retirada, ou seja, os advogados ( e outros profissionais) que participarem do processo colaborativo, no caso de não alcançarem um acordo, não poderão patrocinar os interesses das mesmas partes no mesmo assunto, em um eventual conflito judicial litigioso.

De outro lado, para aqueles advogados que queiram incluir o Direito Colaborativo strictu senso como uma de suas práticas profissionais, é recomendável que possuam plena compreensão de tratar-se de uma metodologia de natureza contratual e dos reflexos que este compromisso implica na relação com seu cliente.

Além, é claro, de ter conhecimentos mínimos sobre as ferramentas, ou habilidades, necessárias para desenvolvimento pleno da metodologia, ou seja, do processo correspondente. Neste caso, recomenda-se o treinamento próprio.


Ana Luiza Panyagua Etchalus

Advogada – Mediadora

Co-fundadora da OLADC – Organização Latino Americana de Direito Colaborativo




[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Colabora%C3%A7%C3%A3o [2] Saraiva Jovem, Dicionário da Língua Portuguesa, Editora Saraiva 2010, pág. 224 [3] Fernandes, Francisco, Dicionário de Sinônimos e Antônimos da Língua Portugêsa, 32ª. Edição, Editora Globo, 1993, pág. 213 [4] Lévy, Pierre, Cibercultura, Editora 34, 3ª. Edição, 2018, pág. [5] https://www.collaborativepractice.com/ [6] https://globalcollaborativelaw.com/ [7] https://ibpc.praticascolaborativas.com.br/

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