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  • Foto do escritorAna Luiza Panyagua Etchalus

QUE TAL FAZER UMA DR NO SEU CONTRATO DE TRABALHO?

Atualizado: 5 de abr. de 2023

A RELAÇÃO DE EMPREGO, SUAS PERSPECTIVAS RELACIONAL E PSICOLÓGICA E SEUS EFEITOS NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS TRABALHISTAS

THE EMPLOYMENT RELATIONSHIP, ITS RELATIONAL AND PSYCHOLOGICAL PERSPECTIVES AND ITS EFFECTS IN THE RESOLUTION OF LABOR CONFLICTS





RESUMO:

O contrato de trabalho, como a maioria dos contratos, sempre foi visto como um fato transacional, simplificado no conceito de troca de trabalho por alguma remuneração. No entanto, apesar de o seu formato e natureza terem um caráter essencialmente pessoal, os aspectos relacionais e psicológicos daí decorrentes não são habitualmente enfrentados pelos profissionais do direito, sejam juízes, advogados ou mediadores, sobretudo no domínio da resolução de conflitos que emergem da relação de emprego. O objetivo deste trabalho é analisar a natureza relacional do contrato de trabalho, a partir do exame da Teoria Relacional dos Contratos desenvolvida por Ian Macneil, entre outros, associada ao estudo do Contrato Psicológico, agregando perspectivas sociológicas e psicológicas ao o exame da natureza jurídica do contrato de trabalho e alcançando diferentes perspectivas na prevenção e resolução de conflitos trabalhistas.

PALAVRAS-CHAVE: Relação de emprego. Contrato Relacional. Resolução de Conflitos


ABSTRACT:

The contract of employment, like most contracts, has always been seen as a transactional fact, simplified in the concept of exchanging work for some remuneration. However, although its format and nature are essentially personal, the resulting relational and psychological aspects are not usually faced by legal professionals, whether judges, lawyers or mediators, especially in the field of conflict resolution that emerge from the relationship of job. The objective of this work is to analyze the relational nature of the employment contract, based on the examination of the Relational Theory of Contracts developed by Ian Macneil, among others, associated with the study of the Psychological Contract, adding sociological and psychological perspectives to the examination of the legal nature of the contract. employment contract and reaching different perspectives in the prevention and resolution of labor conflicts.

KEYWORDS: Employment relationship. Relational Contract. Conflict resolution


SUMÁRIO

1) Introdução

2) O Contrato de Trabalho e Relação de Emprego

3) Principais elementos da Teoria Relacional dos Contratos, segundo Ian Macneil

3.a - Raízes Primárias do Contrato

3.b - O Contrato Discreto e o Contrato Relacional

4) O Contrato de Trabalho visto como contrato relacional

5) O Contrato Psicológico e alguns aspectos conflitivos enfrentados pelos Tribunais sob o viés relacional

6) A conciliação e a mediação trabalhista e a visão relacional e psicológica da relação de emprego, um exame crítico

7) Conclusão

1.Introdução

A realidade acelerada dos tempos da Revolução Digital provocou e vem provocando não menos aceleradas alterações no mundo do direito. Alguns dizem tratar-se de tempos estranhos mas, afinal, mudanças são sempre estranhas aos olhos de quem as vivencia, especialmente aos olhos dos aplicadores da lei, no mais das vezes, conservadores.

Vivemos o tempo da chamada Sociedade 5.0 que, segundo doutrina japonesa,

“(...) deve ser aquela que, “através do alto grau de fusão entre o ciberespaço e o espaço físico, será capaz de equilibrar o avanço econômico com a resolução de problemas sociais, fornecendo bens e serviços que atendam granularmente às múltiplas latentes necessidades independentemente do local, idade, sexo ou idioma”.[1]

Neste contexto, chegamos ao mundo do trabalho e aos grandes desafios enfrentados por uma sociedade que vive a ambivalência de amar e, ao mesmo tempo, temer os avanços tecnológicos.

Se é certo que a revolução digital nos trouxe avanços que nossos ancestrais jamais sonhariam existir, também nos trouxe limitações e, muito especialmente, no mundo do trabalho, extinções.

No dizer de Sussekind

nos próximos cem anos, o progresso tecnológico nos tornará mais prósperos do que nunca. No entanto, esse progresso também nos levará a um mundo com menos trabalho para os seres humanos. O problema econômico que assombrava nossos ancestrais, o de tornar o bolo econômico grande o suficiente para que todos pudessem viver, desaparecerá e três novos problemas surgirão para substituí-lo. Primeiro, o problema da desigualdade, de descobrir como compartilhar essa prosperidade econômica com todos na sociedade. Em segundo lugar, o problema do poder político, de determinar quemcontrola as tecnologias responsáveis por essa prosperidade e em que condições. E terceiro, o problema do significado, de descobrir como usar essa prosperidade não apenas para viver sem trabalho, mas para viver bem”.[2]

Um mundo sem trabalho, portanto, já não é algo que se possa encontrar apenas e tão somente em obras de ficção, é uma realidade que passa pelo desemprego tecnológico, pisa forte no desemprego sazonal e encara o desafio de uma população mundial que, segundo estimativas médias, atingirá em 50 anos quase 10 bilhões de pessoas.

Mas o que fazer diante do chamado “dilúvio humano”? Segundo Lévy[3], ou bem partimos para o extermínio, ou para a exaltação do indivíduo, partimos para a humanização do humano, sendo propositalmente redundante, ou ainda, no dizer do mencionado filósofo, faremos

um grande esforço a fim de tecer incansavelmente relações entre as idades, os sexos, as nações e as culturas, apesar das dificuldades e dos conflitos. A segunda solução, simbolizada pelas telecomunicações, implica o reconhecimento do outro, a aceitação e ajuda mútuas, a cooperação, a associação, a negociação, para além das diferenças de pontos de vista e de interesses”.

É bem possível que o homem, criativo que é, encontre soluções alternativas que possam substituir o trabalho como uma das grandes bases sociais, no entanto, até que isso ocorra, nunca foi tão importante discutir-se a respeito da preservação e da criação de postos de trabalho.

Nessa linha, o presente trabalho procura desenvolver simultaneamente a conexão entre a constituição de uma relação, aqui nominada e direcionada como relação de emprego, e os conflitos que dela emergem, especialmente diante deste conjunto global de fatores que afetam o trabalho como um conceito e um valor.

Antes de falar-se em conflitos, porém, é de referir-se que a globalização permitiu alcançar alguns conceitos que antes eram fechados em sistemas jurídicos distintos, como é o caso de alguns trazidos no presente trabalho. O Direito do Trabalho sempre foi cosmopolita, sempre valeu-se como uma de suas fontes do direito comparado, razão porque o trabalho ora proposto vale-se também de referências doutrinárias alienígenas.

A metodologia utilizada consiste no exame comparativo de bibliografia nacional e estrangeira e artigos científicos. Trata-se de uma pesquisa aplicada, qualitativa e descritiva, realizada a partir de fontes bibliográficas e documentais, tais como livros, leis, trabalhos acadêmicos e outras fontes disponíveis na internet. Aplicou-se o método de abordagem dedutivo.

O trabalho inicia com sua conceituação clássica, o que é objeto da primeira parte (02). Na sequência, buscando uma visão ampliada, o presente trabalho adentra nos conceitos extraídos da Teoria Relacional dos Contratos, tal qual proposta por Ian Macneil, entre outros, assim como do chamado Contrato Psicológico, como componentes não escritos relevantes à formação e execução do contrato de trabalho e que integram a sua natureza (03,04 e 05). Nessa etapa o trabalho passa a fazer uma análise comparativa entre a conceituação clássica da relação de emprego e sua visão relacional. Na sua terceira parte o presente artigo enfoca o conflito decorrente das relações de trabalho e suas formas usuais de resolução, fazendo uma análise exemplificativa dos tipos de conflitos mais frequentes que envolvem os contratos de trabalho e sua extinção, no dia a dia dos Tribunais (06 e 07). O trabalho finaliza enfocando a possibilidade de aplicação de abordagens e metodologias humanizadas, como forma de agregar valor e sustentabilidade ao contrato de emprego, uma vez entendido como um contrato relacional e conclui propondo que na resolução de conflitos decorrentes de uma relação de emprego, sejam utilizadas perspectivas e abordagens de natureza relacional, tal qual definidas no desenvolvimento do trabalho.

02) A relação de emprego: definições clássicas e princípios

Toma-se como ponto de partida a definição do elemento nuclear a todo o sistema que envolve o que se conhece como direito do trabalho, qual a seja, a relação de emprego.

É a relação de emprego, no dizer de Delgado[4], “a categoria socioeconômica básica” que estrutura todos os ramos do segmento justrabalhista.

O próprio autor menciona que a relação de emprego tornou-se, com o passar do tempo, a mais importante relação de trabalho existente, “(...)quer sob a perspectiva econômico-social, quer sob a perspectiva jurídica”.[5]

A doutrina trabalhista clássica é uníssona na conceituação do que venha a ser uma relação de emprego, vista sob a conjugação de seus elementos, a seguir identificados de forma sintética, quais sejam:

Prestação de serviços por pessoa física

Pessoalidade – são as características pessoais de um empregado, suas aptidões pessoais que serão objeto do trabalho a ser prestado, trazendo um caráter de intransferibilidade ao vínculo que se estabelece

Onerosidade – não existe relação de emprego que não seja onerosa, visto que para todo o trabalho haverá retribuição

Não Eventualidade – entendida como a ideia de continuidade, permanência, constância e, ademais, exercício de atividade-fim, ou seja, inserida nos fins da atividade empresarial.

Subordinação – acolhimento do poder de direção do empregador pelo empregado, implica em sujeição, obediência e também atua como limitação da autonomia da vontade

Também segundo a doutrina, não basta a existência isolada dos elementos indicados para que a relação de emprego seja caracterizada, senão a sua cumulação[6].

Não desprezando os demais princípios mas, apenas para efeitos do que o presente trabalho pretende alcançar, é relevante apontar que um dos princípios da relação de emprego é o princípio da continuidade, que é aquele que atribui à relação de emprego a maior duração possível, sempre presumindo a sua existência e a sua continuidade favoravelmente ao empregado. Deste princípio decorrem, por exemplo, a presunção de que qualquer rompimento dá-se sempre por iniciativa do empregador e sem causa que o justifique.

Do princípio da continuidade também decorre a presunção de que, presentes os elementos integrantes da relação somados à sua repetição, está-se diante de uma relação de emprego. É, no dizer de Martins[7], “a presunção de que o pacto laboral deve perdurar no tempo, só podendo ser rescindido nas hipóteses previstas na lei ou por vontade das partes”.

A relação de emprego e a sua continuidade é, portanto, a base que serve de recheio ao contrato de emprego, nos exatos termos do Art. 442, da Consolidação das Leis do Trabalho:

Art. 442. Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.

Ainda que nem todos os contratos de trabalho sejam contratos de emprego, também para efeitos do presente artigo, as expressões relação de emprego e contrato de trabalho são utilizadas com um único significado.

Como definido no artigo de lei, portanto, o contrato de trabalho, ou contrato de emprego, é aquele que decorre da relação de emprego e da conjunção de fato dos elementos que a compõem, antes mencionados.

3. Teoria Relacional dos Contratos, segundo Ian Macneil - Principais elementos

Passemos à análise da Teoria Relacional dos Contratos aos olhos de um de seus principais nomes, Ian Macneil. Não sem antes entender um pouco de sua trajetória.

Nascido em Nova York no ano de 1929, Ian Macneil[8] foi um professor e jurista norte-americano de origem escocesa que, no início dos anos sessenta, passou a desenvolver um sofisticado estudo filosófico e social sobre os contratos, nominado inicialmente de Teoria Relacional da Troca, através da qual fazia uma crítica à teoria clássica dos contratos trazendo à luz um abordagem sociológica. Posteriormente conhecida como Teoria Relacional dos Contratos.

Segundo Macneil, o contrato deveria ser visto como um instrumento de cooperação social, sendo a análise da cooperação e do comportamento contratual parte central de seu trabalho. Afirmava que a primeira coisa a notar sobre o contrato, é o fato de que diz respeito ao comportamento social e, seu segundo aspecto, diz respeito ao comportamento social cuja característica é de cooperação, ou seja, um comportamento social cooperativo caracterizado pela vontade de trabalhar com outro. Afirmava, ainda, que os contratos antes de qualquer coisa, envolvem pessoas trabalhando juntas.[9]

Em que pese a Teoria Relacional dos Contratos tenha sido festejada no meio acadêmico naqueles anos 60, não encontrou eco suficiente para sua disseminação e aplicação, mal compreendida que foi, para efeitos práticos, em uma sociedade cuja matriz social e econômica ainda vivia presa à Terceira Revolução Industrial.

Mas também já vivia-se os primórdios da Revolução Técnico-Científica e Macneil, visionário, conseguiu lançar as bases para o que hoje, na Revolução Digital em curso, se vislumbra ser de extrema importância: a sociedade Pós-Técnica e a necessidade de construção de um novo Contrato Social.

Sua projeção falava, em outras palavras, que passaríamos da sociedade Técnica para uma sociedade Pós-Técnica na qual, devido à necessidade de flexibilização constante, haveria um esforço maior para descentralizar o poder e buscar que os centros descentralizados pudessem manter a paz entre si e cooperassem positivamente.

Uma vez que o Homem Pós-técnico não gosta de estruturas burocráticas formais, profetizava Macneil, sempre que possível, as regras tenderiam a ser conciliatórias por natureza, “mais ou menos como a lei consuetudinária das sociedades primitivas”[10].

Tão rapidamente quanto possível para os propósitos deste artigo, lançava seu desejo: “que você e seus filhos tenham a sorte de viver no tipo certo de Novo Contrato Social”

3.a - Raizes Primárias do Contrato

Ao lançar sua teoria, Macneil[11] definiu as raízes primárias do contrato como sendo quatro: 1) a sociedade; 2) a especialização do trabalho e da troca; 3) a escolha e, finalmente,4) a consciência do futuro.

A ênfase na sociedade como a base essencial do contrato merece a transcrição por sua relevância à análise aqui proposta[12]:

(...)Devemos começar pelo começo. E no começo havia a sociedade. Desde sempre tem sido a sociedade. Este deve ser, com certeza, o fato mais esquecido no estudo moderno dos contratos, seja no direito, seja na economia. Esse lapso de memória que nós propositadamente impusemos a nós mesmos nas duas disciplinas por nosso vício, tipo heroína em negociações discretas. E eu uso este símile deliberadamente, com um certo tipo de loucura – a imagem que brilha em minha mente é de um cientista maluco do cinema e televisão - a esculpir fora do corpo da sociedade seu coração econômico, ainda esperado para ser examinado como um órgão funcional e independente. Para nenhum lugar na história ou pré-história tinha sido somente Adão ou somente Adão e Eva, mas sempre tem sido a sociedade humana. Se nós desejamos entender contrato, nós devemos retornar do nosso auto imposto isolamento intelectual e absorver algumas verdades básicas. Contrato sem necessidades comuns e gostos criados somente pela sociedade é inconcebível; contrato entre indivíduos que maximizam a utilidade e são totalmente isolados não é contrato, é guerra; contrato sem linguagem é impossível; e contrato sem estrutura social e estabilidade é – quase literalmente – racionalmente impensável. A raiz fundamental, a base do contrato é a sociedade. Nunca o contrato ocorreu sem sociedade; nunca ocorrerá sem a sociedade; e nunca seu funcionamento será entendido isoladamente à sua particular sociedade”.

A segunda raiz primária do contrato, na Teoria sob análise, é a especialização do trabalho e a troca. Não somos onipotentes e onipresentes. Não sabemos e não fazemos tudo o que necessitamos, muito especialmente na sociedade dita pós-moderna, cujos graus de especialização se anunciam diariamente em velocidade acelerada. Agregada à especialização vem a troca, cujo amplo conceito genérico, no dizer de Macneil.

remonta à história e à pré-história simplesmente reconhece que a especialização requer algum processo de distribuição recíproca do produto para que a especialização valha a pena. De fato, na especialização extensiva onde os indivíduos não produzem para si tudo o que é necessário para continuar vivendo e produzindo, cada um deve receber a produção dos outros para continuar se especializando. Como essa troca ocorre é irrelevante para essa noção fundamental do conceito e para entendê-lo como uma raiz básica do contrato”[13].

Em sequência, ainda tratando das raízes primárias do contrato, chega-se à escolha, como aquele elemento cuja definição envolve a liberdade de decidir, ou “(...)alguma liberdade para eleger entre uma série de comportamentos". Sem querer adentrar em discussões sobre diferenças de poder e outras variáveis que por vezes afetam o direito de escolha, o que seria demasiado filosófico para os propósitos do presente artigo, toma-se aqui como base o conceito de livre arbítrio, de autonomia da vontade para tomada de uma decisão, sendo este um elemento sem o qual o contrato, qualquer que seja, não poderá existir.

A quarta e última raiz primária do contrato, sob a perspectiva relacional, é o que Macneil chamou de “consciência consciente de um futuro, sem a qual o contrato não pode florescer. “(...) Uma vez que a humanidade tenha essa consciência, e com ela um senso crescente de si mesmo como uma criatura que escolhe, surge a potencialidade para um desenvolvimento completo do contrato”[14].

Por entender que as definições clássicas (jurídicas) de contrato não conseguiam alcançar aqueles elementos antes descritos, Macneil definia contrato como sendo “as relações entre as partes no processo de prever a troca no futuro”. Contrato era e é um fato humano, decorrente de um dos comportamentos humanos mais recorrentes, a troca, e os conceitos essencialmente jurídicos não eram suficientes para retratar o que, na sua concepção, eram fatos reais e normais da vida:

fazer as coisas no mundo real - construir coisas, vender coisas, cooperar em empreendimentos, alcançar poder e prestígio, compartilhar e competir em uma estrutura familiar. Assim, mesmo que uma definição orientada para o direito abranja todos os contratos incluídos em uma definição orientada para a troca, ela será inevitavelmente percebida como mais restrita, porque imediatamente nos diz para pensar sobre o direito. Se quisermos entender o contrato, e de fato se quisermos entender o direito contratual, devemos pensar primeiro na troca e em tais coisas, e depois no direito”[15].

3.b - Contrato Discreto e Contrato Relacional

A teoria relacional desenvolvida por Macneil desdobrava os contratos em discretos e relacionais, estes últimos subdivididos em relacionais primitivos e relacionais modernos.

Os contratos discretos são aqueles que não estabelecem relações entre as partes além da troca em si, ainda que todo o contrato implique em algum tipo de relação, sendo de curta duração, onde as relações interpessoais são limitadas. Contêm medições precisas do objeto da troca, sendo claramente vinculativo às partes e onde a transação é claramente definida, por exemplo, compra de grãos, compra de gasolina para abastecimento, etc.

Embora as trocas possam vir a ser repetidas num futuro entre as mesmas partes, os contratos discretos exigem um mínimo de comportamento cooperativo e não há compartilhamento de riscos e recompensas (ônus e bônus), assim como não há expectativa alguma de qualquer espécie de altruísmo, visto tratar-se de uma relação de soma zero.

Já os ditos contratos relacionais encerrariam uma complexidade distinta, visto que sua propagação no tempo implicaria e implica um entrelaçamento de comportamentos entendidos como necessários à sua preservação. Podem ser conceituados como aqueles de duração contínua e significativa, onde as relações interpessoais inteiras formam parte integrante, o objetivo da troca é facilmente mensurável, mas as quantidades são de difícil medida. Nestes, os relacionais, espera-se um comportamento cooperativo projetado para o futuro, espera-se a divisão de riscos e resultados e, comumente, geram efeito de algum grau de interdependência entre as partes, assim como elementos outros tais como amizade, camaradagem, relações de parentesco, moralidade, valores comunitários, entre outros.

Devido à sua longa duração, os contratos relacionais exigem alinhamento contínuo de expectativas e interesses e flexibilidade, já que as partes conseguem enxergar os problemas como algo esperado, como um fato da vida. Pode-se exemplificar com contratos de fornecimento, distribuição, representação comercial, prestação de serviços, contrato de sociedade, franquia, consórcios, joint ventures, entre outros e muito especialmente, o contrato de trabalho, ou a relação de emprego.

Mas o desenvolvimento do tema por Macneil não se limitou à comparação entre os ditos contratos discretos e os chamados relacionais primitivos, visto que com relação a estes últimos foram desdobrados conforme a complexidade do mundo moderno. Quanto maior o desenvolvimento tecnológico e o afastamento, ou despersonalização que caracteriza a sociedade moderna, seu trabalho apontou diferenças entre as relações primitivas e as relações modernas, o que permitiria concluir que alguns traços dos contratos discretos tangenciam, na modernidade, os contratos relacionais, criando um sistema contratual híbrido.

Além das normas comuns a todos os contratos, por exemplo, mutualidade, confiança, solidariedade contratual, existem normas contratuais, todavia, chamadas regras especialmente relacionais, quais sejam, integridade do papel, preservação da relação, harmonização do conflito relacional e, finalmente, normas supracontratuais.

As Normas Especialmente Relacionais são aquelas entendidas como sendo de natureza comportamental e que ocorrem nas relações, devem ocorrer se as relações forem contínuas e, portanto, devem ser preservadas enquanto a continuidade da relação for valorizada, seriam típicas dos contratos relacionais, como é o caso do contrato de trabalho, reputado por Macneil como sendo 'um contrato extremamente relacional, não importa o quão tenazmente uma parte tente torná-lo discreto' (Macneil, 1985, p. 492).[16]

Passa-se à análise do contrato de trabalho com base na perspectiva relacional.

4. O Contrato de Trabalho visto como contrato relacional

Já sabemos que o contrato de trabalho é aquele que corresponde à relação de emprego, quando presentes os seus elementos em conjunto.

Relação de emprego, o nome já diz, faz supor a existência de interação de duas ou mais pessoas, aqui não importando sejam pessoas naturais ou abstrações jurídicas.

No entanto, quiçá resquício ainda de questões históricas que colocavam o trabalhador/empregado na condição de um objeto, o que ainda repercute nos tempos atuais, muitas definições doutrinárias desprezam o conceito de “relação”, encaixando o conceito de contrato de trabalho no plano clássico.

As definições clássicas apontam o contrato de trabalho apenas e tão somente para o plano jurídico-transacional e, muitas vezes, tecendo críticas à sua vinculação com a sua essência, qual seja, a relação de emprego que, muitas vezes, chega a ser omitida do contexto.

Vejamos, por exemplo, o que diz Delgado[17]: “define-se o contrato de trabalho como o negócio jurídico expresso ou tácito mediante o qual uma pessoa natural obriga-se perante pessoa natural, jurídica ou ente despersonificado a uma prestação pessoal, não eventual, subordinada e onerosa de serviços”.

Martinez[18] aproxima sua definição do conceito de relação de emprego mas, ainda assim, o faz emprestando à mesma um caráter transacional, a saber:

Contrato de emprego é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa física (o empregado) obriga-se, de modo pessoal e intransferível, mediante o pagamento de uma contraprestação (remuneração), a prestar trabalho não eventual em proveito de outra pessoa, física ou jurídica (empregador), que assume os riscos da atividade desenvolvida e que se subordina juridicamente o prestador.”

Voltemos novamente aos elementos da relação de emprego, desta feita analisado sob os conceitos da Teoria Relacional dos Contratos:

RELAÇÃO DE EMPREGO - (pessoa física de um lado; pessoa física ou jurídica personalizada ou despersonalizada, de outro)

PESSOALIDADE - são as características pessoais de um empregado, suas aptidões pessoais que serão objeto do trabalho a ser prestado, trazendo um caráter de intransferibilidade ao vínculo que se estabelece

COMENTÁRIOS À LUZ DA TEORIA RELACIONAL:

Aqui presentes várias das características do contrato relacional primitivo, começando com o envolvimento da pessoa como um todo, gerando não apenas satisfação econômico/transacional, mas satisfação humana integral, envolvendo trocas sociais e satisfação pessoal/psicológica.

As trocas não têm valor mensurável e podem ser difusas. A solidariedade deriva da interação social externa, da influência da matriz social e na vontade de prolongar a relação, tudo interpenetrando na troca.

Neste aspecto, a pessoalidade reside também na chamada integridade do papel. Os papéis nas relações de emprego aumentam o valor da utilidade individual e o próprio prolongamento da relação, impactando no contrato psicológico e gerando confiança. É certo que há uma flexibilidade no tocante aos papéis, em determinados casos, mas em geral possuem intrincadas interligações de hábitos, costumes, regras internas, impedimentos legais ou normas coletivas, trocas sociais, expectativas a respeito do futuro e coisas do gênero, que podem servir de complicadores à própria relação. Daí porque, no sentido de preservar a relação e sua continuidade, a integridade do papel se vê claramente esculpida na relação de emprego.


ONEROSIDADE - não existe relação de emprego sem a onerosidade, visto que para todo trabalho haverá retribuição

COMENTÁRIOS À LUZ DA TEORIA RELACIONAL:

Este princípio deriva da mutualidade que existe desde o momento anterior à troca, pois esta, a troca, para ser consumada, supõe a existência de uma possível vantagem imediata e prolongada no tempo e não ocorre sem uma percepção mútua de benefício. Mutualidade não exige igualdade (ou um grau mínimo de uniformidade), sendo uma de suas fontes a solidariedade contratual – um dos lados não pode suportar a ideia de que somente um lado faz um bom negócio contratual. Ou, como no caso da relação do emprego, não se pode supor a existência da troca sem a contraprestação. Mas quando se fala em onerosidade, é imperioso avaliar o contexto laboral sob o aspecto econômico que, aliás, alcança até mesmo o tema da subordinação, mais adiante enfocado. No contrato de trabalho, interesses de prolongamento da relação também decorrem de interesses econômicos recíprocos (ou seria o seu inverso?). No contexto do contrato de trabalho, o interesse material de longo prazo geralmente desempenha um papel fundamental na determinação do comportamento das partes, inclusive com relação ao elemento “subordinação”.

Na maioria dos casos, é do interesse de longo prazo do empregador e do empregado continuar o relacionamento por causa dos ganhos mútuos decorrentes da divisão do trabalho e da cooperação. A troca prolongada no tempo é vantajosa para ambas as partes, embora se tenha ideia de que seria vantajosa somente para uma das partes. Mesmo na ausência de leis que protejam os empregados contra a demissão, o que não é o caso da legislação brasileira, os custos com seleção, recrutamento e treinamento de novos empregados gerados ao empregador, assim como os custos de transação rescisórios, bem como as perdas causadas aos empregados por períodos de desemprego, desencorajam a rotatividade de mão de obra. Geralmente é mais barato para um empregador tentar melhorar o desempenho do pessoal existente por meio de projetos e ações próprias, treinamentos, prêmios, ou política de participações nos resultados. Para o empregado, geralmente, faz sentido econômico de longo prazo permanecer em um emprego porque a aquisição gradual de habilidades e experiência de trabalhar para um determinado empregador levará à uma estabilidade e à possibilidade de almejar alcances pessoais/familiares, assim como progressão salarial em níveis geralmente superiores do que aqueles ofertados pelo mercado aberto para empregados que iniciam novas relações contratuais. Dados esses benefícios que podem advir para qualquer uma das partes no emprego por meio da cooperação de longo prazo, é bastante comum que haja uma tensão entre os compromissos contratuais expressos e as expectativas das partes com base na questão econômica.

Aqui não se pode esquecer que a tensão também advém da projeção futura do recebimento da contraprestação. Lembrando que o empregado entrega hoje para receber amanhã. Somente o cumprimento regular recíproco gera a confiança e a possibilidade de continuidade. Também a tensão pode ser gerada pela possibilidade, por exemplo, de rescisão sem justa causa, o que sabidamente é causa de grandes conflitos pós contratuais.


NÃO EVENTUALIDADE – entendida como a ideia de continuidade, permanência, constância e, ademais, exercício de atividade-fim, ou seja, inserida nos fins da atividade empresarial.

COMENTÁRIOS À LUZ DA TEORIA RELACIONAL -. A não eventualidade está ligada à preservação da relação no tempo. No contrato de trabalho trata da preservação do meio de subsistência e do projeto de vida do empregado e, simultaneamente, a preservação do meio de produção do empregador como agente econômico e social. Há, portanto, interesse recíproco no prolongamento da relação. Em um contrato de trabalho, por exemplo, os termos podem permitir que o empregador demita o empregado por qualquer motivo em curto prazo, mas, na prática, na maioria das relações de trabalho, tanto o empregador quanto o empregado geralmente se comportam de acordo com a expectativa de que o contrato continuará indefinidamente, a menos que haja justa causa para a demissão, especialmente se o empregado desempenha papel relevante relacionado às atividades-fim da empresa. Se a relação é boa para ambas as partes, será preservada.


SUBORDINAÇÃO – acolhimento do poder de direção do empregador pelo empregado, implica em sujeição, obediência e também atua como limitação da autonomia da vontade

COMENTÁRIOS À LUZ DA TEORIA RELACIONAL: subordinação faz supor a existência de desequilíbrio de poder entre as partes contratantes o que, no modelo relacional é tratado como parte da troca. – o poder é inerente ao próprio conceito de troca e aos direitos de propriedade – sejam privados ou públicos. Todo o conjunto das normas relacionais pressupõe capacidade de criar mudanças nas relações de poder. A ideia de que somente o empregador tenha poder sobre o empregado não pode ser absoluta, eis que em qualquer contrato relacional existe a possibilidade de algum grau de interdependência, especialmente se conjugarmos esta lógica com a característica de atendimento de atividades-fim.

São comuns, por exemplo, a inversão da gangorra de poder com o exercício do direito de greve.

Sendo assim, à luz da teoria relacional dos contratos, pode-se entender a subordinação jurídica como parte essencial da troca, ou ainda, inerente à característica da troca no contexto do trabalho. Assim como não há trabalho sem contraprestação, não há contrato de emprego sem subordinação jurídica.


5.O Contrato Psicológico nas Relações de Emprego

Após o enfrentamento de considerações e conceitos reputados como relevantes para compreensão do Contrato Relacional, passemos a um rápido exame sobre o contrato psicológico, tido, no entendimento de Russeau[19] como sendo

o sistema de crenças de trabalhadores e empregadores individuais em relação às suas obrigações mútuas. Essas obrigações crescem a partir das promessas feitas quando as relações de emprego são iniciadas e mantidas, desde o processo de contratação até as interações do dia-a-dia”.

Por certo que a matéria requer muito vagar no seu enfrentamento, visto tratar-se de elemento de relevante importância para as relações de emprego, notadamente no contexto global atual que, conforme mencionado na declaração introdutória, produziu e vem produzindo constantes e impactantes desafios às relações de trabalho e à sociedade como um todo.

Mas sendo de interesse da proposta do presente trabalho, vale reproduzir, em síntese, o contexto da Teoria do Contrato Psicológico:

“A literatura sobre contrato psicológico foi introduzida com os trabalhos formativos de Argyris (1960). Posteriormente, outros pesquisadores como Levinson, Price, Munden, Mandl e Solley (1962), Schein (1970) e Kotter (1973) também são citados como tendo introduzido o contrato psicológico. Desde a sua conceituação inicial, os contratos psicológicos centraram-se em crenças e expectativas mútuas que representavam a relação de troca entre o empregado e o empregador, conforme conceituado por Argyris (1960). O avanço da teoria do contrato psicológico ajudou significativamente em nossa compreensão da relação de trabalho (Robinson, 1996; Rousseau, 1995). A teoria inicial do contrato psicológico nas décadas de 1980 e 1990 foi baseada principalmente na pesquisa empírica de Rousseau (Freese & Schalk, 2008). Uma definição primária de contrato psicológico, sugerida por Rousseau (1989), é “as crenças de um indivíduo em relação aos termos das condições de uma acordo de troca recíproca entre a pessoa focal e outra parte' (p. 123). O início da teoria do contrato psicológico ajudou a explicar a relação que existe entre funcionários e organizações (Rousseau, 1995, 2001a, 2001b) e forneceu insights sobre resultados como segurança no trabalho (Costa & Neves, 2017; Dhanpat, Nemarumane, Ngobeni, Nkabinde , & Noko, 2019; Niesen, Van Hootegem, Vander Elst, Battistelli, & De Witte, 2018), retenção de funcionários (De Vos, Meganck, & Buyens, 2005; Dhanpat & Parumasur, 2014), identificação da organização (Mutendi, De Braine , & Dhanpat, 2019), comportamento de cidadania (Priesemuth & Taylor, 2016), desempenho do funcionário e lealdade (Bal, Kooij, & De Jong, 2013; Lee & Taylor, 2014).[20]

Em que pese o contrato psicológico, entendido como tal, não tenha valor legal, os estudos apontam a existência de referências a termos que, com efeito, ingressam no ambiente jurídico, quais sejam, “promessas”, “obrigações”, “expectativas”. É no contrato psicológico que residem e se justificam, por exemplo, as expectativas das partes em relação ao cumprimento de obrigações:

“(...)Segundo Rousseau (1989), os contratos psicológicos são individuais, subjetivos e idiossincráticos. Os contratos psicológicos também são considerados modelos mentais que orientam os comportamentos dos indivíduos na relação de trabalho (Robinson & Rousseau, 1994), definindo e adicionando previsibilidade à relação de trabalho (Morrison & Robinson, 1997). Como tal, os contratos psicológicos servem a dois propósitos principais: (1) definem a relação funcionário-organização e (2) determinam expectativas mútuas que orientam e moldam o comportamento (Hiltrop, 1995, 1996). Especificamente, os contratos psicológicos definem as obrigações e contribuições individuais, bem como as obrigações e recompensas do empregador disponíveis na organização (Hiltrop, 1995, 1996; Morrison & Robinson, 1997). Essas “obrigações mútuas percebidas compõem o tecido do contrato psicológico” (Robinson, Kraatz, & Rousseau, 1994, p. 138). De acordo com Robinson e cols. (1994), alguns exemplos de obrigações dos funcionários incluem lealdade, comportamentos extrafuncionais, horas extras e aceitação de transferência, enquanto as obrigações do empregador podem incluir pagamento alto e por mérito, segurança no trabalho, apoio e desenvolvimento.[21]

É o contrato psicológico que baseia a mutualidade e que impulsiona e alimenta a continuidade, ou o fracasso das relações interpessoais e, portanto, da cooperação e da colaboração.

Sendo o Contrato Psicológico baseado na troca social, por certo que está irmanado à visão sociológica trazida na segunda parte do presente trabalho, qual seja, a Teoria Relacional do Contrato. E como já mencionado, o contrato de trabalho, ou a relação de emprego, detém natureza relacional, tendo na sua base um forte componente psicológico a influenciar a troca.

São muitas as questões discutidas e avaliadas pela jurisprudência trabalhista e que, na sua essência, não guardam necessária relação de causa e efeito apenas e tão somente com o campo transacional mas, isto sim, exsurgem justamente do contrato psicológico.

Inúmeras são as questões de natureza psicológica que decorrem da relação de emprego e que detêm, portanto, natureza subjetiva (o que, no mais das vezes, dificulta a comprovação objetiva no plano processual): abuso de poder, desídia, incontinência de conduta e mau procedimento, indisciplina, insubordinação, assédio, entre outras.

Quantas outras questões mais, por exemplo, são trazidas ao judiciário com feição transacional mas que carregam em si o componente psicológico da frustração, da rejeição, do rancor, da inveja, apenas para nominar alguns.

Collins[22], por exemplo, sugere uma análise tridimensional da relação de emprego para que possa ser plenamente enfrentada, afirmando que, em regra, os tribunais analisam parcialmente o contrato de trabalho, ou seja, deixam de analisar sob três enfoques, quais sejam: a racionalidade obrigacional, a racionalidade econômica e a racionalidade relacional, onde inserido o contrato psicológico. Ao privilegiar-se a avaliação binária – obrigacional e econômica, em detrimento da análise relacional/psicológica, entende o autor que a análise do contrato de trabalho estará incompleta.

6. A conciliação e a mediação trabalhista e a visão relacional e psicológica da relação de emprego, um exame crítico

A última década permitiu a evolução no âmbito jurídico nacional dos chamados meios adequados de resolução de conflitos, dentre eles podendo ser destacada a mediação.

Sem ingressar nos marcos legais que implantaram a mediação no universo jurídico nacional, mas apenas trazendo à consideração seus principais conceitos, pode-se conceituar a mediação de conflitos, como é vista e tratada nos dias atuais, como sendo uma metodologia de negociação estruturada, ou método dialógico de resolução de conflitos, voluntário e confidencial, facilitado por um terceiro neutro.

No âmbito trabalhista é comumente confundida com a conciliação, sendo oportuno relembrar suas diferenças práticas:

- a conciliação é uma negociação realizada pelas partes envolvidas em um conflito, em geral perante um órgão conciliador, que tenta harmonizar os pontos de vista, sendo que o conciliador pode opinar e até mesmo influenciar do ponto de vista objetivo, ainda que somente a vontade das partes possa eventualmente alcançar uma solução, ou seja, o acordo.

A conciliação tem como característica, em regra, trabalhar com a negociação distributiva, ou seja, de soma zero, visto predominar em seu ambiente a barganha comumente associada às transações econômicas.

De outro lado, a mediação tem por característica estar associada à negociação integrativa, ou seja, aquela que admite a integração de várias possibilidades, é baseada em princípios e busca alcançar equidade e justiça atravésda colaboração. Na mediação, uma vez restabelecida a comunicação, as partes envolvidas no conflito colaboram na busca de uma solução comum, de ganha-ganha. A mediação possui vários modelos e escolas, podendo ser mencionada a mediação facilitativa como a mais tradicional.

Porque a mediação não funciona plenamente como tal no ambiente judicial trabalhista?

Pode-se dizer que são vários os fatores, ressalvando entendimentos contrários. Tomando por base a análise lançada no presente trabalho, chega-se à conclusão de que, lamentavelmente, seja por questões estruturais no próprio poder, seja pela incompreensão da mediação como meio crível e eficaz de resolução de conflitos, os operadores do direito tendem a tratar as negociações trabalhistas apenas e tão somente no seu viés distributivo.

Pouco, ou quase nenhum encaminhamento à negociação integrativa tem espaço nas estruturas hoje existentes. E não se diga aqui que não atinjam seus objetivos, de fato, atingem, especialmente para diminuição do contingente de processos judicias existentes.

Mas quando falamos de acordo (seja decorrente de conciliação, seja decorrente de mediação), os objetivos a serem alcançados dizem respeito às partes, visto que o poder de decisão neste ambiente lhes pertencem – com exclusividade.

Dadas às suas características, a mediação adentra no ambiente relacional das partes e, portanto, nas repercussões psicológicas daí advindas

Voltamos à questão da relação de emprego vista sob a ótica relacional e ao contrato psicológico à ela associado.

Ainda que se possa que, encerrado o contrato de trabalho e, portanto, a relação de emprego, todos os desdobramentos residuais daí advindos passariam a deter caráter meramente transacional – posto que, repita-se, a relação teria findado, s.m.j, assim não entendemos.

Isso, com efeito, limitaria entender a relação do homem com o trabalho no plano já ultrapassado da estreita visão de capital x trabalho, posto que, máxima vênia, retiraria do homem uma das bases do princípio da dignidade da pessoa humana.

A verdade é que, no dizer do próprio Freud, Nenhuma outra técnica para a conduta da vida prende o indivíduo tão firmemente à realidade quanto a ênfase concedida ao trabalho, pois este, pelo menos, fornece-lhe um lugar seguro numa parte da realidade, na comunidade humana”[23].

Susskind,[24] já citado, também menciona Freud, indo até Max Weber e outros pensadores que entendem que o valor do trabalho vai mais além do salário, afirmando que o trabalho serve de uma das bases que dão sentido à vida, que lhe geram propósito:

“o trabalho é importante não apenas para o próprio senso de significado do trabalhador; tem também uma importante dimensão social, permitindo que as pessoas mostrem aos outros que vivem uma vida com propósito e oferecendo-lhes uma chance de ganhar status e estima social”.

É certo afirmar que a relação de trabalho é contínua, gera efeitos relacionados à própria identidade do trabalhador enquanto pessoa, valora sua individualidade, é parte de seu histórico de vida, enfim, atinge a sua personalidade, para o bem e para o mal.

E uma relação, qualquer que seja, mesmo após seu encerramento, propaga seus efeitos no tempo: memórias, aprendizados, sociabilidade, camaradagem, amizade, afetos, desafetos, dores, frustrações.

Deste modo, o término da relação de emprego não se limita à troca final de valores rescisórios por quitações, apenas exemplificando, especialmente em relações de longa ou longuíssima duração.

A recomposição dos efeitos de uma relação rompida exige mais do que simples troca monetária, podendo passar, por exemplo, por algum reconhecimento de valor relacional/profissional, algum valor personalíssimo, alguma recomendação, ou quiçá um pedido de desculpas, dependendo do contexto.

Sob tal ótica, qualquer negociação que reduzisse a relação de emprego a tão somente o seu aspecto transacional, implicaria em desprezar todos os valores e propósitos, expectativas e necessidades do trabalhador enquanto ser humano.

E não se pretende aqui ingressar na discussão sobre os chamados direitos indisponíveis, ou parcialmente disponíveis, posto que o presente trabalho tem outro enfoque. E, afinal, parte destes são rotineiramente sujeitos à barganha no ambiente da conciliação.

O que se pretende, no rastro das questões relacionais e psicológicas trazidas à consideração, é alimentar o uso da mediação tal qual a mediação se apresenta, ou seja, como uma espécie de negociação estruturada (e hoje legalmente tutelada), mas que, por suas características e dinâmicas, se constitui em uma ferramenta potente, profunda e transformadora de resolução (e prevenção) de conflitos.

A mediação tem um alcance maior e mais profundo (sendo repetitiva) para gerar efetiva solução aos conflitos laborais, adentrando no seu espectro relacional e pois, indo além da conciliação, sabidamente limitada, no seu escopo e dinâmica, à barganha.

A mediação, repita-se, está aparelhada para alcançar os interesses, as expectativas e suas frustrações, aqui chamando atenção especial ao contrato psicológico como componente da relação de emprego, a tal ponto, sim, de retomar e preservar a sua continuidade.

7. Conclusão

Ian Macneil aqui trazido como parte relevante do presente trabalho, foi um visionário, alguém capaz de projetar a realidade vivida nos dias atuais ao indicar que viveríamos a sociedade Pós-Técnica e que, premidos pela velocidade tecnológica, deveríamos estar aparelhados para conciliar múltiplos e distintos interesses.

Ao enfocar a relação de emprego com a abordagem relacional, dando importância ao contrato psicológico que dela emerge, Macneil foi capaz de dignificar o trabalhador, não lhe retirando direitos mas, ao contrário, lhe conferindo maior poder, pois também dignifica as suas características próprias e da relação mantida com o empregador.

A Teoria Relacional redimensiona o entendimento de que o trabalhador, como cidadão que é, tem exercício de escolhas, não lhe impõe uma captio diminutius que, com efeito, nas últimas décadas, é entendimento muito distante da mesma realidade vivida na não menos distante Terceira Revolução Industrial.

A visão relacional dá a cada coisa o seu devido valor, máxima assentada no princípio aristotélico de que não se pode tratar igualmente os desiguais. Afinal, o enfoque relacional obriga ao exame da relação e seus desdobramentos próprios e específicos, não somente econômicos e obrigacionais, mas relacionais em si e, pois, psicológicos.

De sua vez, a mediação se aplicada preventivamente à existência do conflito, ou à sua escalada, pode alcançar elementos subjetivos tendentes a preservar o princípio da continuidade da relação de emprego, especialmente porque a mediação é capaz de entender e enfrentar, com seus meios próprios, a natureza relacional do contrato de trabalho.

A mediação, por ser metodologia cuja decisão pertence às partes, lhes dá voz, fortalece e equaliza suas participações, facilitando, inclusive, eventual recomposição de vínculos, ou a própria recomposição da relação de emprego em si, bem como a satisfação, não somente de direitos, mas de interesses passados, presentes, e futuros.

Em tempos difíceis e incertos, nominados pós pandêmicos, finaliza-se parafraseando Ian Macneil, desejando que todos tenhamos a sorte de viver e encontrar o tipo certo de Novo Contrato Social. No momento atual, seguramente, o trabalho agradece.


Referências


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2- Susskind, Daniel. A World Without Work (p. 238-239). Henry Holt and Co.. Edição do Kindle.

3- Lévy, Pierre, Cibercultura, 1997(3ª edição, reimpressão 2018)ão livre, São Paulo, pg. 11-16

4 - Delgado, Maurício Godinho – Curso de Direito do Trabalho – 19 edi – São Paulo – LTR, 2020, p.61

5 - Delgado, Maurício Godinho – ob. Cit. P. 342

6- Martinez, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho - 13ª edição 2022 (p. 370). Saraiva Jur. Edição do Kindle.

7 - Martins, Sergio Pinto, A continuidade do Contrato de Trabalho, - 2ª ed, - São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 150

9 - Campbell, David, The Relational Theory of Contract: Selected Works of Ian Macneil, 2001, London, Thomson Reuters Ltd, p. 9/10 – tradução livre

10 - Macneil, Ian R – The New Social Contract, 1980, Yale University Press, New Haven & London, p.108/117 - tradução livre

11 - Macneil, Ian R – The New Social Contract, 1980, Yale University Press, New Haven & London, p.1 - 2 - tradução livre

12 - Macneil, Ian R – The New Social Contract, 1980, Yale University Press, New Haven & London, p. 1 - 2 - tradução livre

13 - Macneil, Ian R – The New Social Contract, 1980, Yale University Press, New Haven & London, p. 2 - tradução livre

14 - Macneil, Ian R – The New Social Contract, 1980, Yale University Press, New Haven & London, p. 2 - tradução livre

15 - Macneil, Ian R – The New Social Contract, 1980, Yale University Press, New Haven & London, p. 2 - tradução livre

16 - Collins, Hug – The Contract of Employment in #D – Changing Concepts of Contract – Essays in Honour of Ian Macneil, 2013, London, Palgrave Macmillan, Kindle Edition, p.

17 - Delgado, Mauricio Godinho, Curso de Direito do Trabalho, 17ª.edi, 2018, São Paulo, LTR, p. 607

18 - Martinez, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho - 13ª edição 2022 (p. 374). Saraiva Jur. Edição do Kindle.

19 - Russeau, Denise M & Schalk, René – Psychological Contracts in Employment – Cross-National Perspectives, 2000, London, Sage Publications, Inc, p.1 –tradução livre

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21 - Costas, Sandra - Redefining the Psychological Contract in the Digital Era (pp. 43-44). Springer International Publishing. Edição do Kindle p. 202 . Tradução livre

22 - Collins, Hugh, The Contract of Employment in 3D – Changing Concepts of Contract – Essays in Honor of Ian Macneil, 2013, London, Palgrave Macmillan, Kindle ed. P.65

23 - Freud, Sigmund, O Mal-Estar na Civilização, 1997, Imago Editora Ltda, Rio de Janeiro, p. 29

24 - Susskind, Daniel. Um mundo sem trabalho (pp. 219-220). Henry Holt and Co.. Edição do Kindle.


Bibliografia


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[1] Hitachi-UTokyo Laboratory(H-UTokyo Lab.). Society 5.0: A People-centric Super-smart Society (p. 22). Springer Singapore. Edição do Kindle. – tradução livre [2] Susskind, Daniel. A World Without Work (p. 238-239). Henry Holt and Co.. Edição do Kindle. [3] Lévy, Pierre, Cibercultura, 1997(3ª edição, reimpressão 2018)ão livre, São Paulo, pg. 11-16 [4] Delgado, Maurício Godinho – Curso de Direito do Trabalho – 19 edi – São Paulo – LTR, 2020, p.61 [5] Delgado, Maurício Godinho – ob. Cit. P. 342 [6] Não basta que estejam presentes alguns elementos caracterizadores do contrato de emprego; é indispensável que todos eles coexistam, sob pena de ser caracterizado um tipo contratual totalmente diverso do emprego. Apenas a título exemplificativo: a ausência do elemento onerosidade afasta a caracterização do contrato de emprego, fazendo surgir em seu lugar um negócio jurídico totalmente diferente. Se não há onerosidade, o contrato em análise pode ser de estágio ou de serviço voluntário — de emprego, com certeza, não será. Martinez, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho - 13ª edição 2022 (p. 370). Saraiva Jur. Edição do Kindle. [7] Martins, Sergio Pinto, A continuidade do Contrato de Trabalho, - 2ª ed, - São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 150 [8] https://pt.wikipedia.org/wiki/Ian_Macneil [9] Campbell, David, The Relational Theory of Contract: Selected Works of Ian Macneil, 2001, London, Thomson Reuters Ltd, p. 9/10 – tradução livre [10] Macneil, Ian R – The New Social Contract, 1980, Yale University Press, New Haven & London, p.108/117 - tradução livre [11] Macneil, Ian R – The New Social Contract, 1980, Yale University Press, New Haven & London, p.1 - 2 - tradução livre [12] Macneil, Ian R – The New Social Contract, 1980, Yale University Press, New Haven & London, p. 1 - 2 - tradução livre [13] Macneil, Ian R – The New Social Contract, 1980, Yale University Press, New Haven & London, p. 2 - tradução livre [14] Macneil, Ian R – The New Social Contract, 1980, Yale University Press, New Haven & London, p. 2 - tradução livre [15] Macneil, Ian R – The New Social Contract, 1980, Yale University Press, New Haven & London, p. 2 - tradução livre [16] Collins, Hug – The Contract of Employment in #D – Changing Concepts of Contract – Essays in Honour of Ian Macneil, 2013, London, Palgrave Macmillan, Kindle Edition, p. [17] Delgado, Mauricio Godinho, Curso de Direito do Trabalho, 17ª.edi, 2018, São Paulo, LTR, p. 607 [18] Martinez, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho - 13ª edição 2022 (p. 374). Saraiva Jur. Edição do Kindle. [19] Russeau, Denise M & Schalk, René – Psychological Contracts in Employment – Cross-National Perspectives, 2000, London, Sage Publications, Inc, p.1 –tradução livre [20] Redefining the Psychological Contract in the Digital Era (pp. 43-44). Springer International Publishing. Edição do Kindle. Tradução livre [21] Costas, Sandra - Redefining the Psychological Contract in the Digital Era (pp. 43-44). Springer International Publishing. Edição do Kindle p. 202 . Tradução livre [22] Collins, Hugh, The Contract of Employment in 3D – Changing Concepts of Contract – Essays in Honor of Ian Macneil, 2013, London, Palgrave Macmillan, Kindle ed. P.65 [23] Freud, Sigmund, O Mal-Estar na Civilização, 1997, Imago Editora Ltda, Rio de Janeiro, p. 29 [24] Susskind, Daniel. Um mundo sem trabalho (pp. 219-220). Henry Holt and Co.. Edição do Kindle.




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